Artigo: Uma visita prejudicial para ambos os lados

Chances de Peña Nieto ou Trump conseguirem grandes dividendos políticos com a viagem do republicano são muito pequenas

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Por Redação Internacional
Atualização:

PHILIP BUMP*THE WASHINGTON POST

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A visita surpresa de Donald Trump ao México ontem não vai fazer muito bem para o presidente mexicano Enrique Peña Nieto. Ele é profundamente impopular no seu país. Uma pesquisa trimestral realizada pelo jornal Reforma indica que seu índice de aprovação está em apenas 23% - porcentual tão baixo que Trump, com 35%, parece estar mais bem avaliado. Nos Estados Unidos, naturalmente.

No México, Trump é muito menos popular. Pesquisa feita em junho indicava que 75% dos mexicanos o desaprovam, em comparação com os 6% de Hillary Clinton.

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Quando a Ipsos fez uma pesquisa em todo o mundo, perguntando às pessoas quem escolheriam na disputa presidencial americana, nenhum país mostrou uma diferença entre os dois candidatos maior do que a observada no México.

Os mexicanos preferem Hillary a Trump numa margem de 88 pontos porcentuais para um. Os únicos países que mostraram preferência por Trump foram China e Rússia. Na Bélgica e na Suécia, a vantagem de Hillary foi por uma margem de 66 pontos. Existe uma correlação entre os dados das pesquisas sobre Trump e a economia mexicana: quando o desempenho melhora nas pesquisas, o peso mexicano desvaloriza.

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Menos de 12 horas depois da notícia da visita de Trump ao país, outros políticos mexicanos já se opunham a receber o candidato em seu território. Alguns exemplos fora colhidos pelo site Politico. "Somos ameaçados de guerra e muros, mas abrimos o Palá cio Nacional", afirmou o presidente do Senado mexicano, acrescentando que o convite feito por Peña Nieto era uma aprovação da "proposta de demagogia e ódio" de Trump.

Um ex-diplomata escreveu no Twitter: "Sinto-me envergonhado como mexicano graças ao meu presidente". Na CNN, na manhã de ontem, o ex-presidente mexicano Vicente Fox - que tem sido contundente em suas declarações a respeito de Trump - condenou a decisão de Peña Nieto.

Essa reação não surpreende. Desde os primeiros momentos da sua candidatura, Trump vem atacando o México. Mesmo antes, já se queixava do México no Twitter, em parte porque havia vencido um processo judicial no país, mas não conseguira receber o dinheiro.

No Twitter, Trump indagava: "Quando os Estados Unidos vão parar de enviar dólares para nossos inimigos, ou seja, o México e outros?" Sob o ponto de vista americano, porém, a grande questão é como a viagem beneficia Donald Trump.

No passado, Peña Nieto criticou o candidato por suas propostas. Em março, comparou Trump a Adolf Hitler e Benito Mussolini, dizendo que a sua retórica estridente era formada por argumentos usados por aqueles líderes para conquistar poder.

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Peña Nieto também rejeitou categoricamente a proposta de Trump de construir um muro na fronteira entre os dois países, a ser pago pelo México. "Isso não vai acontecer", disse o presidente mexicano a Fareed Zakaria, do Washington Post e da CNN. "De nenhuma maneira o México pagará por um muro como esse."

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Desvantagens. O presidente mexicano - impopular - tem um claro incentivo político para rebaixar Trump, uma espécie de "convidei-o aqui para lhe dizer umas boas". Talvez seja o único resultado político positivo para Peña Nieto. Mas, mesmo com tudo correndo bem, persistirá a pergunta: Trump diz que fará o México pagar e o México diz que não pagará. E então? Trump nunca respondeu à questão.

O que Trump vai conseguir? Trump, como estadista, é um novato e será interessante ver como ele lidará com a situação. A própria foto ao lado de Peña Nieto envolve riscos. No melhor dos casos, é uma foto sem graça ao lado de uma pessoa que muitos americanos desconhecem; no pior, uma foto canhestra, posando na frente da bandeira mexicana - algo que não deixará uma parte da sua base eleitoral entusiasmada.

A viagem, no máximo, mostra que Trump pode ir a um país estrangeiro e se encontrar com líderes sem incidentes, item de menor importância no seu "checklist" presidencial.

A decisão se assemelha um pouco à de John McCain, em setembro de 2008, de suspender sua campanha para lidar com a economia. Pareceu um artifício, não contribuiu muito e reforçou a ideia de que McCain estava numa posição política que necessitava de algum factoide que podia não surtir muito efeito. Barrar um milagre na figura de Joe Walsh.

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A viagem de Trump ao México implica em muitos riscos no sentido de que ela só o beneficiará se ele provar que pode fazer algo muito simples sem incidentes. No caso de Peña Nieto, ele se beneficiará se conseguir usar o encontro como a humilhação de um visitante impopular. O aspecto negativo no seu caso é ser visto recebendo alguém que seus eleitores detestam veementemente.

No fim, Trump deve ganhar muito pouco com a viagem ao México. Possivelmente, quem deve ter se beneficiado mais com este encontro é sua oponente na corrida à Casa Branca, a democrata Hillary Clinton. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

*É COLUNISTA

 

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