As cinco horas mais loucas da Casa Branca

Enquanto todos os olhos estão voltados para o Capitólio, uma mudança frenética ocorre dentro da Casa Branca durante a troca de presidentes dos Estados Unidos

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Por Redação Internacional
Atualização:

Bonnie BerkowitzThe Washington Post

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O mais frenético ritual americano que ninguém jamais viu é chamado de "transferência das famílias", um tsunami de cinco horas de atividade que transforma o lar do presidente Obama no lar do presidente Trump. "É um caos organizado", disse Gary Walters, responsável por coreografar várias transferências de famílias presidenciais em seus 21 anos como porteiro-chefe da Casa Branca.

"Há muita energia circulando", disse Ann Stock, que acompanhou de perto a transferência dos Clintons como secretária social deles, "mas o processo é exaustivo". Eis o que acontece no dia da posse antes e durante essas cinco horas de frenesi.

Vista da Casa Branca pelo pórtico sul durante evento com Obama em 2013. (FOTO MANDEL NGAN/FP) Foto: Estadão

Preparar: a (relativa) calma antes do caos

Os mais de 90 funcionários permanentes da Casa Branca e alguns terceirizados de confiança chegam perto das 4h - alguns dormem no trabalho - prontos para colocar em prática o plano de batalha desenvolvido pelo porteiro-chefe. Embora esta seja a primeira transição da porteira-chefe Angella Reid, os funcionários da casa não costumam ser trocados com frequência e, por isso, a maioria dos envolvidos já fez isso pelo menos uma vez.

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Os funcionários da cozinha estão entre os poucos que não são envolvidos na mudança, pois já estão ocupados preparando o café da manhã, o tradicional café dos congressistas, lanches da tarde, jantar para sabe-se-lá-quantos-convidados e os preparativos para os eventos sociais do dia seguinte.

(É bom deixar claro que estamos falando da equipe residencial, não da administrativa. O porta-voz da Casa Branca não faz as camas da primeira família, e os assessores não organizam a gaveta de meias do presidente. Mas é provável que tragam suas próprias caixas para os escritórios nas alas leste e oeste.)

Alguns itens destinados à nova família podem ser guardados em locais fora do caminho, como o salão das porcelanas, e parte da mudança pode começar mais cedo, discretamente, mas ninguém quer dar a impressão de estar despejando a primeira família pela porta.

"Sempre lembramos que a casa ainda pertence ao presidente atual até o momento em que o presidente eleito ergue o braço e faz o juramento", disse o antecessor de Angella, Stephen Rochon, que foi almirante da Guarda Costeira antes de chegar à Casa Branca. Rochon disse que os membros da equipe residencial são obsessivamente discretos e jamais se envolvem em debates políticos.

Obama em 2009 ao lado do então porteiro-chefe Stephen Rochon, que foi almirante da Guarda Costeira antes de chegar à Casa Branca. (FOTO J. SCOTT APPLEWHITE/AP) Foto: Estadão

Apontar: vai chegando a hora...

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Perto das 8h30, os funcionários se reúnem no Salão de Jantares de Estado para se despedir da primeira família e dar a ela um presente especial. Durante a partida do presidente Ronald Reagan, em 1989, o porteiro-chefe da época, Walters, deu início à tradição de oferecer como presente uma caixa feita de madeira histórica da Casa Branca contendo as bandeiras hasteadas na Casa Branca no dia da posse do presidente e em seu último dia no cargo.

O momento é sempre comovente. "O presidente Bush foi às lágrimas quando falou com a equipe de funcionários", disse Rochon a respeito do Bush mais jovem. "Como oficial da reserva, não devo me emocionar, mas não pude evitar - a equipe toda se comoveu."

Cerca de uma hora mais tarde ocorre o último evento oficial com a participação do atual presidente na Casa Branca, um café servido no Salão Azul que inclui os presidentes (atual e eleito), suas mulheres e alguns acompanhantes do congresso.

Às 10h30, eles saem pelo Pórtico norte, e limousines vão levá-los ao Capitólio.

George W. Bush solta um beijo ao deixar a Casa Branca a caminho do Capitólio, onde passaria o bastão para Obama, em 2009. (FOTO PABLO MARTINEZ MONSIVAIS/AP) Foto: Estadão

Disparar! Às 10h31 da manhã, tem início a loucura

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Equipes de funcionários se espalham ao redor da residência, mas a atividade mais intensa ocorre nos aposentos da família, nos segundo e terceiro andares - e numa das salas mais importantes da ala oeste. A família costuma fazer as malas antecipadamente, e cabe aos funcionários encaixotar os itens remanescentes.

Balé de caminhões

Os caminhões de mudança da família que está deixando a casa, escoltados pelo serviço secreto e oficiais da polícia de parques, chegam pelo lado oeste do acesso para veículos. Os caminhões com a mudança do novo presidente chegam pelo lado leste do pórtico sul.

Além dos caminhões de mudança, outros caminhões trazem e levam móveis e obras de arte do armazém da Casa Branca em Maryland, e outros trazem obras de arte emprestadas de coleções externas e novas compras de lojas de móveis - tudo com a proteção do serviço secreto.

Empresas comerciais de mudança podem descarregar seus caminhões, mas não vão além disso. Por motivos de segurança, apenas funcionários da residência podem trazer e retirar itens da Casa Branca, o que transforma temporariamente eletricistas, carpinteiros e outros funcionários em pessoal da mudança.

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"Ninguém quer que um artigo de importância pessoal acabe no eBay", disse Rochon.

O quarto do presidente Lincoln em 1957. (FOTO AP) Foto: Estadão

Limpeza, reparo, ajuste

Depois que os pertences da família são retirados, as faxineiras entram em ação, limpando cada canto da residência. Tapetes e janelas são limpos ou trocados. Será preciso acabar com os vestígios de animais de estimação, principalmente se a família do novo presidente sofrer de alergias.

A temperatura e a umidade dos cômodos é regulada de acordo com as preferências dos novos moradores.

Encanadores, carpinteiros e engenheiros fazem pequenos reparos. Eletricistas podem instalar novas luzes e trocar cabos de TV e internet. Carpinteiros e funcionários da curadoria penduram as novas obras de arte. Pintores podem ser chamados para retoques.

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Mas nenhuma tarefa maior de construção, pintura ou troca de papel de parede é realizada no dia da posse: o tempo não permite.

Preparativos nos quartos

A residência tem até 16 quartos, e os carpinteiros podem converter suítes em quartos avulsos e vice-versa com a abertura ou fechamento de portas e paredes. Walters disse que metade dos cômodos foi reconfigurada na transição de Reagan para Bush para acomodar a família do último, maior.

O decorador do novo presidente e alguns outros membros de sua equipe ajudam a desempacotar tudo e dispor a mobília.

Todas as caixas são esvaziadas, e as roupas são colocadas em armários e gavetas. Diferentemente de todas as mudanças que fazemos na vida, o presidente não vai encontrar três caixas ainda fechadas e guardadas no fundo de um armário.

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Os produtos favoritos da família são comprados com antecedência e estarão prontos para o uso - desde colchões e lençóis até xampu e creme de barbear. A família nunca fica sem papel higiênico.

O presidente Eisenhower, que adorava cozinhar, com sua grelha no solarium. (FOTO DWIGHT D. EISENHOWER PRESIDENTIAL LIBRARY AND MUSEUM) Foto: Estadão

Abastecendo o restante da residência

A família dispõe de uma cozinha e uma dispensa no segundo andar, além de um bar e outra cozinha no terceiro andar. O presidente Dwight Eisenhower, que passava muito tempo no solarium, acrescentou uma cozinha ao terceiro andar para que pudesse preparar sopa sem a necessidade de transportá-la para o andar de cima. Todo o espaço da cozinha e da dispensa é abastecido com lanches, bebidas e outros alimentos que a família tenha solicitado. (Curiosidade: o presidente paga suas próprias despesas de supermercado.)

O florista traz novos arranjos para a casa. O cinema recebe novos filmes, a pista de boliche ganha novos sapatos.

Às vezes, o terraço superior é redecorado. Plantas dispostas estrategicamente, por exemplo, podem criar mais privacidade se alguém precisar de uma escapada para fumar.

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O Salão Oval durante a gestão Obama. (FOTO CASA BRANCA) Foto: Estadão

Salão Oval: palco da história

A maior parte das alas leste e oeste é tomada pelo frenesi no dia da posse quando a Administração de Serviços Gerais (GSA), encarregada de supervisionar essas alas de escritórios, se ocupa de limpeza, pintura e demais preparativos para receber os funcionários do novo governo. Mas há um cômodo que deve estar impecável desde o primeiro dia: o Salão Oval.

"É a primeira coisa que o presidente pede para ver", disse Walters. "Essa primeira impressão transmite ao povo americano uma mensagem mostrando aquilo que é importante para o presidente."

Isso significa que cada escolha pode ser investigada na busca por significados ocultos. Um burburinho ganhou força quando o presidente Obama substituiu o busto de Winston Churchill no Salão Oval por um busto de Martin Luther King Jr. Donald Trump disse ter planos para trazer de volta o primeiro-ministro britânico da época da guerra.

A GSA colabora com os funcionários da residência neste cômodo. Algumas transferências são mais trabalhosas que outras. Durante a chegada de Nixon, os eletricistas tiveram que remover uma parede de televisores instalada por Lyndon Johnson, obcecado com a mídia. Quando Ford assumiu, ele pediu que as escutas e equipamentos de gravação de Nixon fossem arrancados das paredes.

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Todos os móveis, cortinas e quadros serão mudados - se o novo presidente assim decidir. O tapete com o selo presidencial deve permanecer, ao menos por algum tempo, pois demora bastante para fazer outro tapete igual.

Em algum momento antes do meio-dia, uma equipe da Administração Nacional de Arquivos e Registros vai passar por todos os cômodos recolhendo documentos remanescentes do governo anterior, incluindo aqueles deixados em computadores. Também são recolhidos os presentes oferecidos por líderes estrangeiros que podem estar expostos na residência.

George W. Bush no Salão Oval ao lado do busto de Winston Churchill, em 2008. (FOTO BRENDAN SMIALOWSKI/NYT) Foto: Estadão

Obama no Salão Oval com o busto de Martin Luther King Jr., em 2016. (FOTO KEVIN LAMARQUE/REUTERS) Foto: Estadão

Surpresas de última hora

Às 14h30, o desfile inaugural já terá começado, e a porteira-chefe vai garantir que tudo esteja na mais perfeita ordem.

É nesse momento que o inesperado costuma ocorrer, e a equipe deve estar de prontidão.

Durante o desfile de George H. W. Bush, suas filhas gêmeas Barbara e Jenna - que mais tarde seriam também moradoras da Casa Branca - se entediaram e quiseram entrar na casa, disse Walters. Então, a florista as levou até seu escritório e deu a elas uma aula improvisada de arranjos de flores.

Ann disse que durante o desfile da posse de Clinton, o presidente se compadeceu dos artistas que tinham ficado sem transporte, e os convidou para conhecer sua nova casa. Eles vieram no dia seguinte, bem como milhares de pessoas que o sociável presidente convidou pelo caminho, fazendo a lista chegar a 4.500 convivas - o triplo do esperado pelos funcionários da casa. Atendentes tiveram de vasculhar a cidade em busca de mais chocolate quente para servir.

Eisenhower e a primeira-dama Mamie se despedem dos funcionários no dia da posse de John F. Kennedy. (FOTO CASA BRANCA) Foto: Estadão

15h30: limite

Em algum momento entre 15h30 e 17h, a nova primeira família vai voltar para uma Casa Branca transformada.

Ao entrarem, normalmente pelo pórtico sul, a porteira-chefe Angella Reid irá recebê-los e dizer pela primeira vez, "Bem-vindo ao seu novo lar, sr. presidente". / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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