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Todos os caminhos levam a Berlim

Festival "11 mm": dobradinha Cinema e Futebol com homenagem a Johan Cruyff

 

Por Fátima Lacerda
Atualização:

No centro de Berlim, atrás de Alexanderplatz, o cinema Babylon exercita teimosa resistência à era dos Multiplex e cinema de Shopping. Inaugurado em 1929, com um filme mudo chamado "Fräulein Else" e 1.400 expectadores presentes na fase final dos efervescentes "Anos Dourados", o cinema serve, desde então, de palco para pequenos e médios festivais de cinema com uma programação para berlinense nenhum botar defeito.

Pela décima quarta vez acontece no cinema Babylon o festival ,,11mm", na super dobradinha cinema e futebol, o único nesse formato na Alemanha é, nesse formato, o maior do mundo.

A edição 2017 faz homenagem ao mito, jogador e treinador holandês, Johan Cruyff (1947-2016), aquele que, quando na ativa, resgatou o orgulho catalão na partida contra do FC Barcelona contra o arquirrival Real Madrid e isso durante a ditadura de Franco, que proibia os catalães de falarem seu idioma e praticar suas regionalidades. A vitória do Barça de 5 x 0 contra o Real Madrid na temporada 1973/74 em plena ditadura foi a resposta, o Underdog Catalônia contra o centro da Ditatura, Madri e o que faltava para que Johan se tornasse mais do que um Deus do Futebol, mas virasse um santo, adorado até hoje na Catalônia.

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O ,,11 mm" que tem uma equipe de 3 curadores (da esq. para direita Christoph Gabler, Birger Schmidt, Andreas Leimbach-Niaz) é evento obrigatório no calendário cultural de Berlim, para aqueles que amam a irresistível dobradinha cinema & futebol.

Na edição 2017 houveram erros e acertos na programação e, inusitadamente, só contou com 1 filme de produção brasileira, ,,Barba, Cabelo & Bigode", vencedor do festival primo do 11mm, o Cinefoot, do qual diretor é Antonio Leal, há anos, parceiro do ,,11mm" .

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A noite iniciou com os Vikings islandeses e o filme "Como um vulcão: a ascensão do futebol islandês". O diretor Saevar Gudmundsson teve permissão de acompanhar a seleção dos Vikings durante o período de jogos classificatórios para a Copa do Brasil (2014) e para a Euro Copa na França (2016). Ninguém sabia que aquele filme teria tal importância depois de dois anos.

O embaixador da Islândia, Martin Eyjólfsson, prestigiou o evento e, junto com o treinador, saciou o desejo de todos os presentes: não o de fazer o La Ola, coisa do passado, mas de fazer o ritual que ficou mundialmente famoso durante a passagem triunfal do país do eterno gelo, pelo torneio na França. "Vamos fazer só duas vezes, porque já estamos cansados", disse o treinador em tom de tá avisado! Na foto abaixo, o técnico e o diretor do filme no saguao do cinema.

Pela sua expressão do rosto de Heimir Hallgrímsson que também é dentista praticante, não foi difícil imaginar quantas vezes esse ritual já teve que ser repetido. Naquela noite em Berlim, fomos todos Islândia, o país que até bem pouco tempo era somente conhecido por ser o Habitat da cantora de elektro-vanguarda Björk e por vulcões em erupção.

Erros

,,Barba, Cabelo & Bigode"(120')

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Um dos maiores erros da programação do festival foi agendar para domingo às 22:00 horas, a exibição do filme, dirigido por Lucio Branco e também vencedor do Cinefoot em 2016".

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"Pelé, o início de uma lenda"(107')

O filme dos diretores americanos Jeffey Zimbalist e Michael Zimbalist tem como produtor o próprio Rei Pelé, o qual os alemães, até hoje ainda continuam teimando na pronúncia errada de "Pelê!", assim como o ator Rodrigo Santoro como produtor associado. Lendo os créditos depois do filme e descobrindo quem está por trás do financiamento da obra, ficou claro porque tanto equívoco e tanta falta de brasilidade no desenrolar do argumento. O maior paradoxo de todos num filme insuportavelmente mal resolvido é que o Plot principal é sobre a discrepância entre a forma dos europeus e os brasileiros jogarem futebol, esses com a "Ginga", e que como explica o olheiro do Santos Futebol clube, vivido por Milton Gonçalves. Os atores falam inglês com muito sotaque e as falas não convencem.

O único motivo (se é que há algum) para entrar no cinema e assistir a esse filme é pela atuação de Seu Jorge, como pai de Pelé e figura-chave em sua tragetória. Jorge abdica dos longos diálogos. Por sorte, num filme por demais enfadonho, mal resolvido como obra cinematográfica, previsível e que ainda tem o verdadeiro Rei Pelé numa cena que lembra uma imitação mal feita dos filmes de Hitchcock, que de vez em quando, "deslizava" pela câmera, o filme fica devendo no quesito autenticidade. Somente as cenas finais projetadas do lado esquerdo da tela, enquanto os créditos são exibidos no lado direito, instigam o interesse faltante durante toda a projeção. Essas imagens são documentárias dos dribles e jogadas fenomenais do jogador do século.

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No cinema de uma tarde ensolarada de sexta-feira (31.03) haviam somente 15 pessoas. Não houve apresentação antes nem discussão depois do filme. Também nenhum dos diretores nem ninguém do festival apareceu. A repercussão entre jornalistas não poderia ter sido pior. Pergunta-se como que um filme desses pode parar na lista do "11 mm", um festival que brilha pela qualidade na programação.

Como se não bastassem os inúmeros defeitos que o filme apresenta, a trilha sonora se deixa seduzir pelo aspecto do "exótico" colocando, de forma inflacionária, batuques de tribos ou algo que os americanos acham que se pareca com o Brasil.

O Deus Johan!

A homenagem ao ídolo do Barcelona tem pompas e circunstâncias na apresentação e na discussão no final da exibição, mas não convenceu com os filmes apresentados, a nao ser com o curta-metragem "Horacio & Johan" de 10 minutos, sobre o fotógrafo Horacio Seguí (87) que passou a vida inteira eternizando os momentos do jogador e acabou se tornando a memória fotográfica do FC Barcelona. 

Um escultura, exibida no hall de entrada do cinema, relembra o ídolo.

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Acertos!

"The Other Kids", (85') é o primeiro filme do diretor espanhol Pablo de la Chica e conta a história sobre crianças de Uganda, vivendo em total miséria e conta sobre a determinação de um treinador, Anthony, que decidiu dar uma "casa" a essas crianças, conduzindo-as pela vida e pelo campo de futebol, em sua maioria, um terreno usado como lixão no país africano.

Reagan, na época com 5 e hoje com 9 anos, tem o sonho de ser como Fernando Torres.

As crianças, que treinam com fome e só comem arroz quando um dinheiro extra entra no caixa sublinham (com a delicada cinematografia do diretor) que futebol já deixou de ser um jogo de campo, mas é sinônimo de dinâmica de grupo, de inclusão, participação e reconhecimento social.

A jornada pela qual De La Chica nos leva é de uma dureza incomensurável, ao mesmo tempo uma lição de humanidade e de teimosia e com a triste notícia no final do filme que o técnico Anthony foi vítima de uma de uma avalanche e foi carregado pelo rio em Uganda e faleceu em 2016.

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No filme, os aspirantes à jogadores de futebol estão sob cuidados de outro treinador, informou De la Chica. Mesmo com tanta miséria e uma tragédia real, o filme é inspirador pela teimosia dos protagonistas de uma história de luta e superação e que ainda está longe de ter um final promissor. De la Chica anunciou que irá viajar para Uganga, onde terá exibicao do filme para as comunidades que participaram. 

"The Other Kids" é um dos favoritos para levar o troféu "11mm" na cerimônia de prêmios a ser realizada na noite de segunda-feira às 19:30 horas (14:30 horário de Brasília).

"Chutando por Sócrates" (91')

Era chegado o dia em que a Irlanda do Norte disputaria as quartas de final contra o Brasil na Copa do México. Durante o jogo os canhões cessaram. O futebol uniu católicos e protestantes frente a TV. A ideia era fazer história, só que no time da Seleção Canarinho tinha um fumante convulsivo um atento filósofo e um brilhante jogador. O Dr. Sócrates. O menino protagonista do filme de um roteiro enxuto, um argumento coerente além de um cuidado absurdo com o figurino da época, incluindo o do assento da poltrona que leva à equipe da Irlânda do Norte para o estádio coleciona, meticulosamente, figurinhas da Seleção Canarinho em seu álbum, onde a do Dr. Sócrates, claro, não poderia faltar. Todo o cotidiano no preâmbulo do dia do jogo é sobre as peripécias futebolísticas em todos os âmbitos. Apesar do trauma do 7 x 1 é sempre um colírio perceber como o futebol brasileiro influenciou inúmeras gerações e países, independente de crenças, normas e convicções políticas.

 

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