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Todos os caminhos levam a Berlim

Merkel em seu quarto mandato: a "Grande Coalizão" dos perdedores

O clima no parlamento alemão na cinzenta terça-feira (14) era, acima de tudo, de alívio. Depois de 171  dias, sem conseguir formar um governo, a Alemanha envia agora para o mundo, mas especialmente para a França, o sinal de o presidente Macron não está sozinho em sua motivação em reformar a Europa. Sim, a aliança Alemanha-França ainda tem credibilidade e só ela, poder de reformar um aparato obsoleto de Bruxelas, mas acima de tudo, reconquistar o animo dos europeus para a ideia "Casa Europa". Merkel entra para os patamares de Konrad Adenauer e Helmut Kohl e as redes sociais não perdoam, como a caricatura do programa de sátira política, heute Show.

Por Fátima Lacerda
Atualização:

Ao chegar em frente a entrada norte do prédio Reichstag que abriga o parlamento alemão, estacionei a "Vilma", minha bicicleta no bicicletário e entrei na fila dos jornalistas. Na escada, ainda na parte de fora, câmeras aguardavam a chegada da chanceler. Logo em seguida ao me postar na fila ouvi alguém gritando para um cinegrafista: "Kommt!", (está chegando!). Ao me virar pra trás, vejo Merkel, vestindo uma calça preta e um blazer branco, passar raspado por nós, balbuciando um seco "Guten Morgen" (Bom Dia!) enquanto olhava para o chão.

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O procedimento de segurança durou mais tempo do que no aeroporto de Madri, onde, na pior das hipóteses, até as meias você tem que tirar.

Ao entrar no elevador, com meu colega da Agência Reuters, entrou conosco um grupo de quatro pessoas. Como ele uma senhora bem idosa e um homem que a acompanhava como se fosse a sua sombra. Já sentada na tribuna de imprensa, olhando para a tribuna vizinha avistei, na primeira fila Joachim Sauer, marido de Angela Merkel e renomado químico e professor universitário. Ao seu lado direito, seu filho do primeiro casamento. Ao lado dele, Herlind Kasner, mãe da chanceler e professora de inglês aposentada. " A mãe da Mutti", disse meu colega holandês num trocadilho referente a como a chanceler é chamada or alguns eleitores. Ao lado da senhora já visivelmente fragilizada pela idade avançada (89), o braço-direito de Merkel, Beate Baumann e ao seu lado, o porta-voz do governo, Stefan Seibert.

Mesmo com Baumann e Seifert tentando, visivelmente, blindar Kasner, para a dor de cabeça dos fotógrafos, as fotos saíram. Ao adentrar a sala principal, Merkel caminhou, estrategicamente para que ficasse frente à tribuna onde estava sua mãe. O primeiro adeusinho não foi notado. Em compensação, o segundo, foi revidado com fervor de uma mãe orgulhosa. Encenação perfeitamente preparada e com o efeito midiático como desdobramento desejado.

Grandes simbologias

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Em eventos políticos de alta importância como a eleição e votação de uma chanceler que teve que cortar um dobrado para se manter no poder, a sensação geral só pode ser mesmo a de alívio. Nesses dias, a linguagem corporal fala enciclopédias, como por exemplo, o tempo e a intensidade do aperto de mão e do olhar ao parabenizar a chanceler depois da votação e depois, como manda a constituição, ter declarado ao presidente do parlamento, "aceitar a eleição".

A fila dos que querem e que tinham que dar o parabéns por motivos protocolares, desejar os melhores votos era longa para desejar,como diz um ditado popular daqui "uma mão feliz",. Entre os mais cobiçados momentos pela mídia, foi o aperto de mão da chefe do partido esquerdista Die Linke, um tipo Rosa Luxemburgo de tempos modernos. Sarah Wagenknecht não economiza em moda e se mostra sempre elegantérrima. Nesta terça-feira (14) ela, super esbelta e esbanjando beleza, juntou um sorriso minimamente esboçado. Foi ela que fez o cumprimento mais breve a chanceler. Dietmar Bartsch, junto com Wagenknecht também na chefia do partido esquerdista, não economizou em ambição. Enquanto apertava forte- e longamente a mão da chanceler, ele a olhava firme enquanto mandava seu recadinho para a chanceler, que por sua vez esboçava um sorriso protocolar, dava a impressão de estar com o pensamento bem longe dali.

Especialmente colegial foi os parabéns da chefe de bancada e da chefe dos Verdes. Com um lindo ramo de flores, as duas tiveram uma troca de palavras muito amigáveis com a chanceler. O vestido verde bandeira de Goehring-Eckhardt, chefe da bancada da ao protocolo um toque ainda mais amigável.

Frauke Petri, ex-chefe do partido racista e populista de direita e hoje sozinha no parlamento sem pertencer à bancada de seu ex-partido, provou não ter comedimento. Com um livro na mão sobre políticos que perdem a noção da realidade, de autoria do jornalista Jürgen Leinemann, ela insistia em falar demoradamene com Merkel, que esboçava o sorriso daqueles nos quais os olhos vão ficando miúdos, do tipo que faz com maestria o líder budista, Dalai Lama.

Protocolo e estética da forma

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Depois de receber os cumprimentos, Merkel e a primeira a tomar assento na bancada do governo. A cadeira da chanceler difere de todas as outras pelo cumprimento. E quanto para Merkel, o tomar do assento da fim a seis meses dos mais difíceis de toda a sua longa carreira politica, ao vê-la sentada sozinha, não há como não pensar na "Coalizão dos Perdedores" que ela, junto com o CSU da Baviera, formou com os socialdemocratas. Que membros da União e do SPD votaram contra a chanceler causaram suspense. Merkel passou pela tangente na primeira tentativa somente com 4 votos mais do que necessário.

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Dos 709 parlamentares do atual legislação, 364 votaram por Merkel dos 692 que tiveram voto válido, 35 da bancada da União e SPD votaram contra. Uma facada pelas costas não é nada comparado com isso. Por uma diferença de somente quatro votos, a eleição teria que ser repetida.

A história politica da Alemanha está repleta de situações dramáticas, quando bancadas recusaram a obediência partidária fazendo com que a eleição tivesse uma segunda e terceira rodada até a destruição de uma carreira política.

O recadinho dos 35 que votaram "Nein' contra a chanceler, os analistas políticos interpretam como "um início atropelado" da chanceler.

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Casamento berlinense

Somente na quarta cerimônia de posse de sua esposa, Joachim Sauer foi visto na tribuna de convidados como também na sala de recolhimento que existe no prédio do Reichstag falando com Merkel antes da votação. Fora isso, ele não saiu da tribuna durante as interrupções protocolares da seção. Joachim Sauer abriu seu Laptop. Se para responder Emails, para trabalhar, ninguém sabe. O redator da revista "Stern", em pé na escada ao meu lado disse em tom sarcástico: "Ele está escrevendo o obituário do Stephen Hawking".

Violação de sigilo 

O deputado Petr Bystron, do partido "Alternativa para a Alemanha" fotografou sua cédula eleitoral e postou em sua conta do Twitter com o X feito no "Nein" (Não) e adicionou: "Ela não é a minha chanceler".

"Isso é uma violação crassa do voto sigiloso e desrespeito com esse parlamento. Por isso, ele irá ser multado em 1.000 euros" (aprox. 4.000 reais), declarou Wolfang Schäube,. o presidente do parlamento.

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Não se fazendo de rogado, Bystron reagiu de imediato, alegando querer duplicar a quantia "para fins caritativos" que, segundo ele, seriam para as vítimas do ataque terrorista em Berlim, em dezembro de 2016.

Nesta sexta-feira, a chanceler alemã foi bater ponto em Paris, onde o presidente Macron esperava há seis meses para, na parceria Alemanha-França, implementar as medidas expostas num meticuloso plano.

Outra simbologia foi a recepção especialmente calorosa de Macron a Merkel ao adentrar o Palais de l'Elysée. Como fazem os francês, dois beijinhos no rosto e, na sequência, o segurar firme pelo ombro exibia união, parceria.

União estratégica?

Enquanto Macron corre atrás do prejuízo de seis meses de espera, Merkel, como de praxe quando se trata de reformas, anda com o freio de mão puxado. ,,Há seis meses eu fiz essas sugestões. Agora é hora de torná-las realidade", declarou o presidente francês.

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Entre suas sugestões estão: um orçamento conjunto para os países membros da UE assim como um Ministro das Finanças, esse com competência xxl.

No âmbito da defesa, Macron anseia por uma tropa conjunta para a UE até 2020. Quanto à política de imigração, ele anseia por uma Polícia de Fronteira para o território da UE assim como uma repartição federal para Política de Imigração.

Desconversando, Merkel mostrou claramente que continuará com a política do freio de mão puxado e sua retórica de panos quentes: ,,Não somos sempre da mesma opinião, mas durante a nossa história, Alemanha e França já conquistaram muitas coisas. Nós temos a vontade, digo, eu tenho a vontade que conseguiremos realizar isso". Até junho, os dois líderes pretendem finalizar a planilha que decidirá sobre os rumos da UE.

A viagem de Merkel para Paris como a primeira cidade depois de suas eleições tem tradição e é um sinal para os demais membros da UE. Nada mais. Nada menos.

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