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Todos os caminhos levam a Berlim

Moulin Rouge foi ontem! Friedrichstadt - Palast é o Teatro de Revista da Europa

Uma longa história que iniciou em abril de 1868 com a inauguração da primeira versão do teatro a 200 metros de onde, hoje, o teatro com o maior palco do mundo, não só mantem viva a tradição do Teatro de Revista que tanto marcou a Berlim dos anos '20, os "Anos Dourados", mas ousa desafiar grandes metrópoles de tradição cultural como Paris no quesito "Teatro de Revista". Vale lembrar que a primeira apresentação da memorável Josephine Baker foi na noite de Réveillon de 1925 com o espetáculo "Revue Nègre".

Por Fátima Lacerda
Atualização:

Etapas

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Mesmo exibindo arquitetura arrojada para o tempo, numa mistura de ferro fundido e vidro, o teatro teve que fechar depois de 6 meses por falta de público. Durante a Guerra Franco-alemã de 1870/1871, o exército da Prússia fez do galpão um depósito de abastecimento. As etapas vividas pelo teatro são muitas e não menos dolorosas.

Em 1919, depois da derrota na I Guerra Mundial, o diretor austríaco Max Rheinhardt queria um palco para a realizar seus espetáculos clássicos e não menos monumentais. Para essa empreitada, o visionário diretor conseguiu como parceiro o, na época renomado arquiteto, Hans Pölzig que se eternizou em vários prédios em Berlim.

Teatro do Povo (Volkstheater)

Em 1934, já no período dominado pelo nacional-socialismo de Hitler, o teatro foi rebatizado com o nome de "Teatro do Povo" incluindo a criação de uma Saguão do Führer. Depois de ter sofrido fortes bombardeios durante a II Guerra Mundial, o teatro ganhou vários nomes, entre outros: "Palácio dos 300", "Casa dos 300", "Palácio da Estação Friedrichstraße" (estação ferroviária que fica alguns metros dali e que foi de importância crucial na época da Berlim dividida).

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Depois da capitulação

Em 1945 o prédio foi desapropriado pelos russos que até foram solícitos em permitir a licença de continuar com o funcionamento, mas a revogaram em 1947.

O "Magistrado de Berlim" oriental se apossou do teatro que passava a se chamar Friedrichstadt- Palast e foi usado para várias cerimônias de cunho socialista, como por exemplo a festa de fundação da organização FDJ, organização do tipo escoteiro comunista da qual todas as crianças e adolescentes da Alemanha Oriental tinham que ser membros e que complementava o currículo escolar.

A ideia dos detentores do poder do Politbüro era instigar o âmbito comunitário e preparar as mentes socialistas para o futuro assegurando assim, o futuro da ideologia marxista-leninista . Em 1952 a organização ,,Jovens alemães livres" (Freie Deutsche Jugend) virou uma organização em massa e foi, na Alemanha Oriental, a única organização subvencionada.

Em 1972 começaram a ser produzidos programas de TV para a Alemanha Oriental. Foi ai que o balé "das pernas mais longas do mundo" composto de uma fileira que comporta 30 bailarinas começou a ganhar fama além do lado comunista.

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O tempo passou, a ordem mundial mudou, o Muro de Berlim não existe mais, mas o balé do Friedrichstadt - Palast (hoje escrito separado) ainda é famoso mundialmente e é integrado em todos os espetáculos, independentemente da temática.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

O New York Times atestou: "A must see!". Nem sempre o NYT tem razão, mas no caso do Friedrichstadt Palast, a dica procede. De um lado, são os nostálgicos que viveram em Berlim Oriental e visitaram os espetáculos do teatro ainda quando crianças. Minha colega, Cornéliam, nascida na região leste da Saxônia e que escreve sobre cultura para o "The Economist" fala com olhos de criança esperando a noite de Natal sobre sua experiência na época. "Eu vinha aqui muitas vezes na época da Alemanha Oriental, mas tarde eu trazia meu filho sempre pra ver o espetáculo de Natal", declara ela enquanto os correspondentes estrangeiros radicados em Berlim aguardam a chegada de Bernd Schmidt (52), diretor do teatro, que já chega avisando que tem pouco tempo: "Não posso perder meu trem para Frankfurt", diz ele logo de início. Mas como os diretores de comunicação não deixam nada ao acaso, nós já havíamos sido "informado" que o chefão estaria de partida para a Feira do Livro. O primeiro pensamento, e isso resultou nos olhares recíprocos entre os correspondentes, é o que tem, por cargas d'água, um diretor de teatro de revista a ver com a feira do livro? Mas tempo é dinheiro. Vamos em frente, foi o que, coletivamente, pensamos, porém sem trocar qualquer sílaba sobre isso. 

Cheio de orgulho, Schmidt já veio delineando a trajetória vitoriosa de sua gestão desde 2007 e já esclarecendo: "O nosso teatro é uma bandeira para a liberdade, diversidade e democracia" e, quase sem interrupção (não fosse o chefe de comunicação lhe trazer um copo d'água, ele continuou: "Desde que comecei os espetáculos só foram um sucesso e isso é vital porque os espetáculos ficam em cartaz durante dois anos. Se for um fracasso, o que você faz com o resto do tempo?" declarou em voz que se desvenda mais um autoelogio do que realmente o medo de fracassar. "É muito grande a pressão que cai em cima da gente", disse ele com tanta autoestima que foi difícil acreditar que ele seja acometido por tal preocupação, mesmo porque para se manter num cargo desses é preciso nervos de aço. O teatro é uma GmbH em 100% da cidade- estado Berlim. O volume de subvenção é em torno de 8 milhões de euros. O Friedrichstadt-Palast (Palácio da Cidade de Friedrich, na tradução literal) goza de tanta credibilidade no âmbito político-cultural (tendo corpo de baile das pernas mais longas do mundo seu o carro-chefe) que mesmo na cidade de Berlim que é notoriamente uma cidade que vive em permanente perrengue financeiro, nunca houve nenhum debate para cortar a subvenção para o Palast.

"Nas últimas semanas nós tínhamos 200.00 euros na nossa conta bancária. Para a maioria das pessoas isso é muito dinheiro, mas não para um teatro que tem custos fixos imensos", disse ele aliviado com a atual situação de sucesso com casa cheia todos os dias.

Estatísticas, Custos, Glamour 

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No espetáculo anterior, "Wild" foram 752.000 visitantes em um ano.

O espetáculo atual, que tem todo o figurino desenhado por ninguém menos que o mestre da alta-costura Jean Paul Gaultier, que marcou presença física na estreia. A produção ,,The One Grand Show" teve um custo de 11 milhões de euros de produção, esses já amortecidos com os espetáculos realizado até agora. Na quarta-feira (19) com a imprensa convidada, não foi diferente. As cadeiras de madeira massissa e um desafio para quem tenha pernas longas e/ou um tufão nos quadris estavam lotadas até o último lugar dos ao todo 1.895 assentos existentes. 

O palco de uma superfície de 2.900 metros é, bem provavelmente, o maior do mundo. Cornélia, a minha colega quis saber se o diretor Schmidt já deu uma olha nos clubes de Las Vegas e a resposta foi positiva. ,,Em nenhum deles é tao grande como em Berlim, mas "a mão no fogo", Schmidt não coloca, diz ele en passant ao mesmo tempo que zoa com os ,,minúsculos palcos" em Paris e filosofa sobre "a falta de campo para o teatro de revista em outras cidades da Europa" assim como também se apresenta como Globetrotter e fala dos palcos da China que constroem palcos enormes, inclusive contratando a mesma firma que fez o palco do Palast, ,,mas que não tem terreno para esse tipo de espetáculos". Resumindo o raciocínio do diretor, expressado em casa frase, em cada anedota em casa declaração temática ou estatística: Se tratando de Teatro de Revista, todos os caminhos levam a Berlim.

Eu quis saber se o fato da Berlinale, desde 2009 usar o teatro como palco para prestigiosas premières, teria ajudado no rejuvenescer do público-alvo. "De fato, a Berlinale aqui nos ajudou bastante. Muitas pessoas mais jovens puderam constatar, ah, esse lugar não é de velharia, é bacana". Bingo!

Paradoxo

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O teatro de revista que goza do status e da fama de ter a melhor técnica existente no mercado de shows, mostrou que a exceção confirma a rega. Em fevereiro deste ano, durante a Berlinale e numa noite que tinha tudo para ser, no melhor âmbito possível, memorável, a técnica falhou. Falhou feio! Era uma projeção da mostra "Berlinale Specials" em homenagem ao recém-falecido David Bowie com a projeção de "O homem que caiu da terra". Tilda Swinton, marcou presença com figurino que deixava passar como sósia de Bowie assim como um dos seus filhos estavam presentes, assim como o diretor do festival, Dieter Kosslick.

A ocasião era para ser glamorosa e memorável. A apresentação foi feita, as luzes se apagaram o filme rolava, mas sem som. Demorou 10 minutos para que o técnico tomasse conhecimento do mico e mais de uma hora para o filme ser projetado acompanhado do som. Mas como em Berlim bandeira pouca é bobagem, enquanto o defeito não era consertado, presentes solicitavam Swinton para inúmeros Selfies .

The One Grand Show

O espetáculo tem como gancho temático, a Berlim alternativa. Numa festa de porão abandonado que, antes era um teatro, um dos convidados começa a viajar no tempo e nas lembranças e suas belezas.

O espetáculo que vai de 19:30 às 20:30, tem 25 minutos de pausa para incrementar o setor gastronomia do teatro, continua até todos entrarem, às 21:00 e vai até às 21:50 todos os dias da semana. O período de férias do teatro são exatamente durante os 10 dias de fevereiro durante a Berlinale.

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A banda de músicos que acompanha os artistas assim com a fenomenal cantora, o fazem ao vivo. Nem sinal de Playback. É tudo na lata mesmo.

O show é recomndável igualmente pela diversidade do figurino de Gaultier, pelo teatro em si como também pela nao obrigatoridade de saber falar alemão para curtir o show.

O ápice do espetáculo é, com certeza, a atuação da acrobata canadense, de Valerie Inertie, que faz a mocinha da história, mas que arrebata com solos pendurada na fita, de longas sequências e de altíssimo grau de dificuldade, mas o que arrebata mesmo é o solo com um hola-hoop, um bambolê gigante.

A precisão matemática da coreografia unida à graciosidade e leveza da canadense que vem de família de artistas e iniciou sua carreira em 2002 na Escola circense de Quebec são um delírio, um banquete visual. A cumplicidade de Valerie com o bambolê, tornando-se una unidade com ele,melhor, o tornando seu fiel seguidor, faz desse momento que acontece pouco antes do final do primeiro ato, uma experiência sensorial De Luxe

Visita guiada nos bastidores

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Visitamos o backstage, os guarda-roupas, a sala de maquiagem e o local onde fica a banda no subterrâneo do palco. A infraestrutura é classe mundial e isso no centro da parte leste de Berlim, a poucos metros do Teatro de Bertold Brecht. Berlim não consegue finalizar seu aeroporto internacional, mas sabe fazer teatro e o Friedrichstadt - Palast prova bem isso.

Alguém perguntou sobre o perfil do público entre berlinenses, alemães e público internacional:

Schmidt explica: 40% visitantes são diretamente de Berlim, 15% internacional e o restante de cidades da Alemanha. Durante o ano o teatro disponibiliza os chamados "Ingressos caridade" para diversas associações pelo valor de 2,00 euros.

Schmidt se gabou pelo teatro ser palco de 16 nações que ali trabalham. Perguntado por um jornalista se ele emprega refugiados, Schmidt revelou que não e sua justificativa não convenceu: "Eles ficariam muito assustados com tanta gente de fantasia colorida. São de culturas muito diferentes", concluiu causando certo constrangimento aos ouvintes, que esperavam maior engagamento social de um lugar que exibe e exala tanta diversidade cultural.

Eu quis saber o que acontece com os figurinos depois do fim da trajetória de um espetáculo. Depois de uns segundos de relutância ele confessou que os figurinos são jogados fora. "As vezes você encontrava alguém usando-os no carnaval de Colônia", mas não ficava legal, disse ele.

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Até bem pouco tempo, o público-alvo era na faixa de 54 anos. Depois que a Berlinale passou a usar o teatro como um dos cinemas para os seus filmes de Gala a faixa passou para os 39. O cinema rejuvenesce o teatro. Isso, também é Berlim: a capital cultural da Europa.

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