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Todos os caminhos levam a Berlim

Morissey: política, polêmica, melancolia e uma migalha do "The Smiths"

©Trinity Music

Por Fátima Lacerda
Atualização:

Enquanto as guerreiras da seleção feminina de futebol nos Jogos Olímpicos lutavam por uma vaga na final contra as suecas, em Berlim, Morissey, o ex-frontman do The Smiths ratificava que está Alive & Kicking.

O britânico nascido em Manchester havia cancelado muitos shows, inclusive no Brasil quando foi diagnostica com câncer. Na noite de terça-feira(16), Morissey voltou a capital depois de 2 anos. No ar, pairava o clima de que este poderia ser seu último show.

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Lá pelas 19 horas, horário local, toda a frente lugar do show, o Tempodrom (e por sorte a dois blocos da minha casa) estava completamente tomada de berlinenses numa sentida interminável fila. O show, o único na Alemanha teve ingressos esgotados bem antes do dia 16.

4000 lugares no Tempodrom estavam tomados. A promo midiática foi da Radio Eins e o promotor local, a Trinity Music uma das agências que tem em sua vasta lista de Acts, os melhores da cidade.

O reencontro

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O período da minha adolescência foi um período de muita sorte. Naquela fase em que você acha, ou mesmo constata que pra você, nao há lugar no mundo, aparece um Renato Russo cantando "Explica a grande fúria do mundo", e, "Pais e Filhos", o RPM cantando "London, London", o The Cure com o estilo deprê e o "The Smiths" cantando "Take me out, tonight" e especialmente "Sweetness, sweetness I was only joking, When I said I'd like to, Smash every tooth in your head" em "Bigmouth Strikes Again.

Muitos anos se passaram. Ás vezes que presencei o britânico mais polêmico e melancólico do show business foi em 1990, em 2011 num Festival Open Air em e na noite de terça-feira no Tempodrom. 

Com 57 anos e uma barriguinha saliente, Steven Patrick Morrissey, nascido em Manchester consegue manter uma voz forte, impactante e exatamente igual ao dos discos do The Smiths. Amigos que estavam no show deste verão berlinense afirmaram que no último show na capital, em 2014, o clima era de despedida e a voz muito instável e fragilizada.

Desta vez Morissey veio com tudo. Não deixou barato. Foi político, polêmico, melancólico e, como de hábito, irado quando se trata da Família Real. Apostei com meu amigo Phillip, que depois do Brexit e juntando a ira do britânico que alimenta há décadas contra a Família Real, "The Queen is Dead" não poderia faltar neste show. Eu queria, impreterivelmente, ouvir essa música, menos por motivos nostálgicos, mas pela sua instigante atualidade, caracterizada pela perda de tabus civilizatórios no período pós-moderno em que vivemos. Não me atrevi em sonhar com "The Boy with the torn in his side" e nem mesmo "Frankly, Mr. Schankly" mas a faixa carro-chefe do meu disco favorito, "ele bem que poderia tocar", assim choraminguei para Phillip.

O início

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Um filme mostrando fotos e foto-colagens dos ídolos de Morissey iniciou aquilo que não foi exatamente um show no sentido clássico das coisas. Quando penso no espaço "City Bank Hall" e no "Vivo Rio" em solos cariocas e suas respectivas propostas em formato estéril de apresentar músicos e espetáculos, fico agradecida por Berlim ser tão liberal e o Tempodrom uma casa de espetáculos que topa diversos formatos e tem o respectivo público alvo para eles: comédia, congressos, palestras e até o mais polêmico dos britânicos. Morissey quis, primeiramente, fazer uma homenagem aos seus ídolos: Os Ramones, Andy Wharhol com "The Flesh", Alice Cooper e os Sex Pistols além de um vídeo de uma banda de Hip Pop. Talvez esse fetiche recente do britânico, seja responsável pela constelação da banda: 6 músicos, entre eles um acordeonista e duas guitarras elétricas que foram responsáveis pela surpresa na sonoridade daquele que vingou nos anos 80, período em que nenhuma banda que prestasse, podia viver sem um tecladista. Esse é o terror de Christian pelo The Smiths. Não só a melancolia de novela mexicana e os lamentos, mas também a "tortura dos teclados" fazem desses grupos algo intragável para o adepto de tudo o que leva muita guitarra. No show em Berlim a, para mim até agora desconhecida sonoridade, foi pauleira. Duas guitarras massacravam com o barulho de  serra que corta madeira. No meio de tudo isso, a voz de Morissey, um verdadeiro porto seguro nessa aventura musical arredondada por um acordeon, segurava tudo, dava brilho, essência, profundidade, conteúdo.

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Bush, Hitler & Blair - "Políticos são criminosos"

"Suedehead" foi a primeira música a ser tocada depois do ecoar de um gongo, posicionado no meio do palco. A última, que pareceu um Bis antes do sexteto sair batido do palco em forma radical que sublinha o estilo do britânico, foi "Irish Blood, English Heart" que encerrou um show de matematicamente 90 minutos. No intermezzo, "What She said", "Meat is Murder" incluindo um filme rolando paralelo com cenas terríveis de abatedouros de suínos, fábrica de produção de peixes e galinhas sendo degoladas por insaciáveis máquinas da perversa indústria de alimentos. "Onde está a sua justificativa" aparecia em alemão no telão?

Na fila do gargarejo a garotada mais nova, a mesma que venera o Frontman do The Smiths é a mesma que, provavelmente depois dali vai dar uma passadinha no Mc Donald's que fica bem perto do local do show.

Antes de executar "World Peace Is None of Your Business", o Frontman foi polêmico, raso rotulando político de "criminosos". "No Trump. No Clinton. No Elections!"

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"Eu sei que vocês (alemães) deram origem a um Sr. Adolf, do qual o nome eu não vou completar". Em voz com ódio mortal ele acrescentou: "Hey, mas nós temos Tony Blair, os EUA tem o George W. Bush", esbravejou antes de iniciar "United King-dumb" com a projeção de uma caricatura de Kate & William no telão. Seria essa a hora para "The Queen is Dead" para ratificar seu ódio mortal pela Família Real.

A convicção política de Morissey não é de grande alicerce. Há bem pouco tempo ele se posicionou ao lado dos Pro-Brexit. Já quis ser governador.

O ápice da polêmica foi ao executar a música "Ganglord" quando foram exibidas no telão, cenas de afro-americanos sendo brutalmente assassinados pela polícia. O que pode ser interpretado como uma expresso de solidariedade, pode também ser interpretado como apologia à violência, como no caso de vários artigos de crítica ao show.

A conciliação

Depois de tanto ódio cego, a conciliação veio com "Todo dia é como domingo". Um Morissey light, em tom de leveza e um vozeirão surpreendente pela trajetória a o câncer lhe obrigou a trilhar:"Se tirarem mais sangue de mim, eu surto", disse em entrevista.

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Com a mensagem "Foram vocês que me salvaram. Eu amo vocês e meu amor é sem fronteiras", Morissey ensaiou a última música, logo depois de ter trocado a camisa preta por uma branca. Depois de "Irish blood english heart" ele deixou o palco de forma radical. Sem um adeusinho, sem um sorriso, sem reverências sendo seguido imediatamente pelas luzes acesas no palco. Os alemães que, por motivos pragmáticos, são useiro e vezeiro a começar a sair dos shows quando ele começa a dar sinais de término, ficaram ali consternados e na esperança que ele voltasse e talvez nos presenteasse com "Bigmouth Strikes Again", assim o desejo nostálgico. Entretanto, em termos de marketing, a volta à nostalgia seria uma falta de firmeza com sua relevância musical contemporânea.

Ao voltar de bicicleta para casa e passando pela porta do backstage, onde vários fãs aguardavam a possibilidade de um autógrafo, alguém na calçada gritou: "The Queen is Dead, boys and it's so lonely on a limb". Ao chegar em casa, deixei rolar o LP com a capa verde da rainha morta assim "The Headmaster Ritual" a faixa número 1  do "Meat is Murder" (1985) até a agulha pedir arrego e incluindo o lamentos que minha socialização abaixo da Linha do Equador (Graças a Deus), me permitem deliciar.

 

 

 

 

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