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Todos os caminhos levam a Berlim

Morre o homem que, por engano, anunciou a queda do Muro de Berlim

©DDP

Por Fátima Lacerda
Atualização:

Funcionário do alto escalão do SED, Partido da Unidade Socialista da Alemanha, Günter Schabowski foi importante figura. Depois da queda do Muro, como Routinier em programas de auditório, ele não deixou de lamentar e "confessar o erro" de ter contribuído com o sistema do "Socialismo de Real Existência". Entre 1978 e 1985, no cargo de redator-chefe do jornal Neues Deutschland (Nova Alemanha), jornal completamente controlado pelo partido, Schabowski se tornou uma das pessoas de maior confiança de Erich Honeker, o podereso-chefão da RDA.

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Em entrevista ao jornal berlinense, Der Tagesspiegel, em 2009 e que foi publicada hoje, 02, como homenagem ao falecimento de Schabowski aos 86 anos, ele declara: "Naquela coletiva (de 09/11), o foco era divulgar o novo "Regulamento de viagens para fora da Alemanha Oriental", uma opção que terminaria com a confrontação entre o ocidente e oriente. Porém, sob a condição da Alemanha Oriental continuar existindo. Essa também era a posição de Gorbachev. Que na coletiva, com a minha resposta à pergunta do jornalista Riccardo Ehrman, eu estaria terminando com a divisão da Ordem Mundial, eu não imaginava".

Ehrmann, na época com 60 anos, era radicado em Berlim Oriental e atuante para a agência de notícias italiana, Ansa. No dia em que ele cita como "um dos melhores de sua vida", Ehrmann teve dificuldade de encontrar estacionamento para seu carro. Devido à pressão da opinião pública e o resultante interesse da mídia internacional, o estacionamento em frente o Comitê Central da RDA (Zentralkomitees der SED) havia se tornado algo cobiçado numa cidade em que era raro ver um carro nas ruas cinzentas e desertas e amedrontadoras do centro de Berlim Oriental.

A coletiva que mudou a história 

Mesmo com a mudança na chefia do partido SED, a população não se dava por satisfeita. As passeatas de segundas-feiras se estenderam para as grandes cidades do país: Berlim, Leipzig, Dresden com exigências de direito de voto livre e secreto e liberdade de viajar. Depois da saída de Erich Honecker, odiado também por ter sido conhecido como o executor da obra logística que foi a construção do Muro de Berlim naquele 13 de agosto de 1961, e com a entrada de Egon Krenz, desacretidado e zoado com a simbologia da história do chapeuzinho vermelho, onde ele era o lobo mal vestido de vovó, não foi suficiente para acalmar as ânsias do povo por Freiheit (Liberdade). 

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Na coletiva que aconteceu na noite de quinta-feira, 09.11.1989, Schabowski falou como um tagarela sobre todas as mudanças decididas pelo SED na reunião do Conselho do Partido, que acontecera pela manhã, na qual o próprio Schabowski, porta-voz do aparato, NÃO estava presente. Pouco antes da coletiva iniciar, já no início da noite de quinta-feira, 09.11., Egon Krenz deu a Schabowski um bilhete, onde estava esboçada a medida de "novas regras para viagens para fora do país" e pela forma de Schabowski divulgar o conteúdo do mesmo, ele parecia estar  escrito de maneira (bem) informal, para não dizer, rudimentar além de exibir de forma nua e crua, o desespero dos aparato do SED, considerando que a reunião havia sido pela manhã e a coletiva, no final da tarde. Não sobrou nem tempo para datilografar, fazer cópias e distribuir o comunicado à imprensa, como é de praxe.

A agência de notícias, DPA, entendeu a importância do momento e eternizou a aparência do bilhete para posteridade, da perspectiva de hoje, 26 anos depois.

Jornalistas que estavam presentes declaram que toda a entrevista foi muito monossilábica e que somente no final, quando todos já achavam que ela teria chegado ao final, Schabowski tirou o bilhete do bolso do terno, e divulgou: "Hoje nós decidimos implementar uma regra que possibilidade a cidadãos da RDA passar através dos pontos de controle e, receberem vistos imediatos e viajarem para fora do país", enquanto era observado por seus colegas de mesa que sabiam ainda menos do que ele.  Alguém indagou: "Essa medida serve também para os pontos de controle de Berlim Ocidental?" (que tinha pontos de fronteira especiais para seus habitantes). Schabowski procurava a resposta no bilhete. Afirmou que sim. Pegando carona na história, sem saber, foi que o jornalista italiano teve seu momento mais inesquecível. Por ter chegado atrasado procurando estacionamento, só encontrou lugar na primeira fila, quase nos pés de Schabowski ele fez a pergunta das perguntas: "A partir de quando a medida entra em vigor?". Ainda sem saber o exato conteúdo do bilhete que tinha nas mãos, Schabowski, anuncia: "Pelo que eu sei, a partir de agora. De imediato".

Depois do Muro aberto e os milhões se dirigindo para os pontos de controle, caiu na mídia o mistério se Krenz havia especificado que as medidas só entrariam em vigor no dia seguinte, para que os aparatos policiais das fronteiras pudessem se preparar. Schabowski jurava que Krenz não tinha mencionado qualquer janela temporária para o inicio das novas medidas. Krenz, negava. Já a esposa de Schabowski, Irina, afirma que seu marido teria anunciado a medida como de início imediato, conscientemente e por conta própria para "dar a sua contribuição" à história, versão pouco provável.

Anos depois, quando eu trabalhei como Assessora de Imprensa na exposição "20 anos da queda do Muro de Berlim" (2009-10) tive a chance de conversar com o ex-chefe da RDA, Hans Modrow, que era considerado moderado e não totalmente avesso ao ocidente. Na ocasião de sua visita (quase) incógnito à exposição exibida ao ar livre entre Maio de 2009 e outubro de 2010 em Alexanderplatz, ele confirmou a versão de que Schabowski não estava presente na reunião, onde as novas medidas foram especificadas. Por ter pegado o bilhete e não ter acertado conferido com Egon Krenz as medidas a serem divulgadas, esse porta-voz, sem querer, decretou a abertura dos pontos de controle de fronteira.

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As pessoas em frente à TV se mostravam petrificadas, sem acreditar na possibilidade daquilo que se sonhou 28 anos. Somente o jornal de fim de noite, o Tagesthemen (O tema do dia) na pessoa do memorável âncora Hans-Joachim Friedrichs, a notícia foi confirmada: "O Muro está aberto". A partir dali, sem nenhuma preparação para os policiais de fronteiras, o berlinenses chegavam em massa e em êxtase aos pontos de controle. 

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O estado ao mesmo tempo de perplexidade e descrenca frente à notícia daquela noite, foi brilhantemente encenada no filme "A vida dos Outros" do diretor Florian Henckel von Donnersmarck: funcionários da polícia secreta, STASI, abrem e investigam conteúdo de cartas, quando um outro funcionário entra na sala e avisa: "O Muro está aberto". Ninguém se mexe. Ninguém reage. Ele repete: "o Muro está aberto". Ainda relutantes, eles levantam, quase simultaneamente, das suas mesas. Saem da sala, deixando pra trás toda a doutrina ensinada e regente por ao todo 40 anos, e que de um minuto para outro, perdia a validade. O outro lado da moeda, foi a "notícia" divulgada por Schabowski. Aquilo que nenhum esforço diplomático ou estratégico conseguiu, foi feito, acidentalmente, com uma só frase.

Por inúmeras vezes avistei Günter Schabowski sentado no cantinho do metrô da linha 2. Com sua marca registrada, um casacão trench-coat ele parecia perdido, deslocado e encontrou seu reconhecimento através de vários convites para entrevistas, sempre que estava perto do aniversário da queda do Muro. Esse é o primeiro 09 de novembro, que Schabowski não vai presenciar.

Links relacionados:

https://www.youtube.com/watch?v=su49zXNeJr4

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https://www.youtube.com/watch?v=b3qVjwzgC2A

https://www.youtube.com/watch?v=pqHss85-Bxw

https://www.youtube.com/watch?v=TQiriTompdY

 

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