Em outros casos, as alianças políticas produzem resultados surpreendentes. Um dos temas do memorando de entendimento assinado pelo Hezbollah com a Frente Patriótica de Salvação (FPS), do líder populista cristão Michel Aoun, prevê uma espécie de anistia para os libaneses que lutaram ao lado do Exército de Israel durante a ocupação do sul do Líbano por tropas israelenses, que se encerrou em 2000.
Apenas para recapitular, os israelenses dominaram por mais de 20 anos o sul libanês. Inicialmente, o objetivo era combater grupos palestinos. Depois, enfrentaram um inimigo muito mais complicado, o Hezbollah. A organização, criada nos anos 1980, teve como um dos fatores da sua formação justamente a ocupação, aliada à Revolução Islâmica do Irã, que patrocinou e treinou os militantes, e à marginalização dos xiitas na sociedade libanesa.
Ao lado dos israelenses, lutaram libaneses que compunham o denominado Exército do Sul do Líbano (ESL). Era composto majoritariamente por cristãos, mas também possuía alguns xiitas e druzos (há poucos sunitas na região). Com a retirada israelense, em 2000, muitos membros do ESL fugiram para Israel temendo retaliações. O Hezbollah, porém, optou por não se vingar dos que ficaram. Alguns cumpriram pena em prisões libanesas e depois voltaram para as suas casas no sul.
No memorando, a FPS pediu ajuda ao Hezbollah para repatriar muitos destes libaneses que hoje estão em Israel. Ao todo, 49 já voltaram. Segundo reportagem do site Now Lebanon - curiosamente ligado à coalizão 14 de Março, opositora de Aoun e do Hezbollah -, citando Ziad Abs, da FPS (grupo cristão de Aoun), 7.000 libaneses foram com as suas famílias para Israel depois da desocupação. Segundo um porta-voz de Antoine Lahad, comandante da milícia libanesa pró-Israel, ainda há cerca de 2600 vivendo em Israel. Desses, disse ele ao Now Lebanon, cerca de 90% gostariam de voltar a viver no Líbano.
"É importante trazê-los de volta porque, todos os anos, nós perdemos alguns. As crianças envelhecem e começam a esquecer como se fala árabe. Elas estudam hebraico, se formam em escolas e universidades israelenses. Começam a se apaixonar por meninas israelenses e se casam com elas. Acaba ficando mais complicado", diz Abs, da FPS.
Este episódio é interessante por ser um dos raros que une a quase todos no Líbano. O Hezbollah disposto a perdoar seus inimigos; a FPS, dos cristãos aliados dos xiitas, lutando para repatriá-los; e o Now Lebanon, ligado aos sunitas, dando destaque para a história. Vale frisar que a iniciativa ocorre apesar dos recentes casos de libaneses espionando para Israel que foram descobertos nos últimos meses.