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De Beirute a Nova York

As bobagens que escrevem e falam sobre a Guerra da Síria

A disseminação de informações equivocadas cada vez me impressiona mais e fico me perguntando se não leio uma quantidade enorme de bobagens sobre temas que entendo pouco e acabo acreditando porque não tenho conhecimento para fazer o chamado "pensamento crítico" como se diz nos Estados Unidos.

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Por gustavochacra
Atualização:

Veja a Guerra da Síria. Quantas vez vocês já leram que o governo de Assad é "alauíta" ou, pior, que o conflito envolve xiitas contra sunitas?

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Vamos por partes. Bashar al Assad nasceu alauíta. Esta religião é um braço do islamismo, com laços tênues aos xiitas. Muitos muçulmanos sequer a consideram integrante do islamismo devido a práticas próprias e vistas como heréticas. Seus seguidores costumam ser extremamente moderados e socialmente próximos aos cristãos árabes. Vivem normalmente na costa Mediterrânea da Síria e nas montanhas que a margeiam, além de Damasco.

Hafez al Assad, pai de Bashar, chegou ao poder pelas vias militares. Era comum, depois da independência da Síria nos anos 1940, jovens alauítas servirem nas Forças Armadas. A elite sunita, por motivos similares à de São Paulo, por exemplo, era mais relutante. Por este motivo, uma série de alauítas, e também cristãos, chegaram ao alto escalão do Exército.

Quando deu golpe e conquistou o poder há mais de 40 anos, Hafez nunca implementou uma "ideologia alauíta" porque esta nem existe. Era um regime laico, com base no arabismo da época. Isto é, nacionalista, jamais religioso. Ele montou uma ampla coalizão do Partido Baath com a elite de Damasco e Aleppo, sejam seus membros sunitas, alauítas ou cristãos, e as Forças Armadas.

Bashar, quando assumiu o poder e até agora, manteve esta coalizão quase intacta. Agora, que fique claro, mesmo hoje, as forças especiais do Exército sírio têm sim um caráter mais sectário, com presença maior de alauítas e, em menor escala, cristãos. Ainda assim, uma série de generais sunitas apoiam o regime. No campo político, o Partido Baath, a favor de Assad, ainda é composto majoritariamente por sunitas.Por último, a mulher de Assad, Asma, é sunira.

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E os xiitas, que todo o mundo fala? Eles representam apenas cerca de 3% da população da Síria e vivem normalmente na área próxima à fronteira com o Líbano, na região do norte do Vale do Beqaa (Hermel), em vilas ao redor de Qusayr - este é o motivo de o Hezbollah, xiita, ter se envolvido naquele momento, embora a cidade, em si, seja majoritariamente sunita conservadora.

Os xiitas, portanto, são praticamente irrelevantes para o regime de Damasco. São irrelevantes mesmo para a Síria. Verdade, Assad, por questões geoestratégicas, e não sectárias, mantém uma aliança com o Irã, o governo do Iraque e o Hezbollah, todos controlados por xiitas. Mas dizer que são xiitas versus sunitas? Está errado.

A oposição síria, sem dúvida, é quase que integralmente sunita. Seus membros costumam ser mais religiosos, com salafistas e membros da Irmandade Muçulmana síria. Há ainda milhares de jihadistas estrangeiros e grupos sírios laicos.

O correto, na Guerra Civil da Síria, é dizer que o regime de Assad, laico, luta com o apoio de alauítas, cristãos, drusos, xiitas e as classes médias sunitas das grandes cidades contra facções da oposição, inimigas entre si, com vertentes salafistas, da Irmandades, jihadistas estrangeiras e laicas. Apenas para ficar claro, os salafistas e a Irmandade Muçulmana são sunitas.

O suporte ao regime vem da Rússia, Irã, Iraque, Hezbollah e China. A oposição tem o apoio do Qatar, Turquia e Arábia Saudita, além de indivíduos do Golfo Pérsico com agenda própria. Os Estados Unidos e os europeus, apesar da retórica, na prática estão neutros. O envolvimento de Israel será tema de outro post.

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Para completar, cansei de ler que "o regime de Assad matou 100 mil pessoas". Não matou. Este é o total de mortos no conflito. Também inclui as vítimas da oposição.

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Guga Chacra, comentarista de política internacional do Estadão e do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires

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