A rede de TV Al Jazeera, na sua versão árabe, é engajada na defesa dos opositores sírios, algumas vezes chegando a distorcer informações. A sua versão em inglês pratica um jornalismo correto, com coberturas fantásticas, inclusive recentemente nas manifestações no Brasil. A Qatar Foundation difunde a educação pelo mundo e realmente tem sido positiva. Em Doha, há uma série de filiais de universidades americanas.
Ao mesmo tempo, internamente, o regime do Qatar é uma monarquia absolutista, ou ditadura, para ser mais claro, onde poetas são presos por escreverem poemas contra os monarcas. Não existe oposição. Mulheres e minorias religiosas possuem menos direitos do que os homens ou a elite sunita.
Para completar, o emir do Qatar, xeque Tamin bin Hamad al Thani, anunciou sua aposentadoria ontem. Mas não tivemos eleições para sucedê-lo. Nem mesmo pelo Parlamente. Nada. Simplesmente o Emir, que assumiu o poder derrubando o próprio pai, decidiu que seu filho de 33 anos será o governante.
Mais uma vez, vemos a hipocrisia internacional, defendendo a derrubada de ditaduras em algumas nações, como a Síria, mas ficando cega para outras, como o Qatar. E vão dizer - "Ah, mas o Qatar não mata ninguém". Será? Então o que dizer dos grupos rebeldes sírios, patrocinados por Doha, que matam civis em atentados terroristas em Damasco? Ou do Hamas?
Sem falar em Bahrain, onde a monarquia local, de origem sunita, pratica um regime de Apartheid contra a maioria xiita e ainda massacrou dezenas pessoas, torturou centenas e prendeu milhares, mesmo nos dias anteriores a um GP de F1.
A Arábia Saudita, grande aliada dos EUA no mundo árabe, reprime com violência os xiitas na Província Leste. As mulheres e as minorias religiosas são vítimas de um ultra-conservador regime de Apartheid, sem similar em todo o mundo.
Enfim, o Qatar explica a hipocrisia mundial em relação ao mundo árabe. Você é bom se não for aliado do Irã. Pode matar, reprimir, ter apartheid, tudo. Ninguém liga. Vale lembrar que os EUA são aliados de todos os países árabes, menos a Síria, sendo que apenas dois deles reconhecem a existência de Israel. A questão, insisto, é Teerã.
Guga Chacra, comentarista de política internacional do Estadão e do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires