Vejam meus comentários sobre Síria e Egito no Jornal das Dez da Globo News
A libertação (ou transferência para prisão domiciliar em um hospital) de Hosni Mubarak ocorre por questões técnicas da Justiça do Egito e tem um impacto bem mais simbólico do que prático na atual crise por que passa o mais populoso país árabe do mundo. Aos 85 anos, doente e impopular, o ex-ditador é praticamente irrelevante para os atuais generais no comando do regime. Por outro lado, haverá insatisfação popular por parte dos grupos que pediram a sua queda em janeiro de 2011, incluindo organizações laicas e a Irmandade Muçulmana.
Primeiro, é preciso colocar no contexto Mubarak. Depois de três décadas no poder, o ex-ditador enfrentava graves problemas de saúde nos últimos anos, chegando a ser internado na Europa. Seu apoio entre a população era patético. Sua administração do Egito, um caos. Verdade, vinha tentando uma desastrada liberalização da economia e um pouco de abertura política devido a pressões da então administração de George W. Bush. Mas o Egito ainda era uma ditadura com uma economia estatizada e ultrapassada.
Os militares, na época, não queriam que o ditador tentasse disputar mais uma vez a Presidência, então marcadas para setembro de 2011. Ao longo de 2009 e 2010, tentavam encontrar alternativas a ele. Também não aceitavam os planos para que seu filho, Gamal Mubarak, um civil, herdasse o poder. No Egito, a ditadura nunca foi hereditária. Era mantida dentro dos quadros militares - de Nasser para Sadat e de Sadat para Mubarak.
Quando os protestos eclodiram em janeiro de 2011, os militares não se esforçaram para manter Mubarak. Ao contrário, forçaram a sua saída e foram os responsáveis por colocá-lo na prisão. Na época, foi iniciada uma transição para a democracia e as Forças Armadas aceitaram as vitórias eleitorais da Irmandade Muçulmana.
Uma nova geração de militares, incluindo o general Sisi, hoje comandante do regime, ganhou posições graças ao então presidente Mohammad Morsy. Ironicamente, quando mega manifestações pediram a queda de Morsy neste ano, estes mesmos militares, comandados por Sisi, derrubaram o presidente.
Isso não significa, porém, que eles gostem de Mubarak. Não gostam. Até tem, em alguns casos, uma dívida pessoal e também um pragmatismo de não deixar um ex-líder militar atrás das grades. Hoje o Egito é de Sisi. Mubarak ficou no passado. A Irmandade é o adversário no presente.
Na população, diante da libertação de Mubarak, existem quatro grupos. Primeiro, a Irmandade, que está revoltada por ver Morsy, eleito democraticamente, preso, e o ex-ditador em prisão domiciliar. O segundo grupo é composto por grupos seculares que lutaram pela queda de Mubarak e não toleram a sua libertação. O terceiro, pequeno, é de simpatizantes do ex-ditador. O quarto, disparado o maior, é formado por aqueles que consideram Mubarak o passado, irrelevante, sem afetar em absolutamente nada a vida deles. Eles tendem a prevalecer sobre os demais.
Guga Chacra, comentarista de política internacional do Estadão e do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires