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De Beirute a Nova York

DIRETO DE DAMASCO - Com regime repressor e oposição armada, Síria está a beira da guerra civil

no twitter @gugachacra

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Por gustavochacra
Atualização:

Passei oito dias na Síria falando com partidários do governo e membros da oposição. Os nomes dos opositores ao longo das matérias nos próximos dias serão citados apenas quando eles autorizaram para preservar a segurança deles. Como sabemos, o regime sírio já matou até mesmo um médico que queria apenas tratar os seus pacientes, entre outras centenas ou milhares de civis

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A crise na Síria não pode ser resumida apenas como um regime massacrando manifestantes que lutam pela liberdade depois de quatro décadas de reinado da família Assad. Apesar de centenas ou até mesmo milhares de defensores da democracia terem sido mortos e torturados pelas forças de segurança em atos classificados como crimes contra os direitos humanos por entidades internacionais, o cenário que mais bem se encaixa ao acontece nesta nação árabe é o de um embrião de guerra civil.

Em cidades como Duma, no subúrbio de Damasco, e Homs, a terceira maior do país, o Exército e milícias pró-governo enfrentam diariamente grupos armados com apoio do exterior - eles próprios admitem que estão se armando. Na vanguarda dos levantes que eclodiram em março, Hama e Deraa, onde o Estado esteve nesta semana, estão sob rígido controle militar do governo desde as operações contra facções armadas e manifestantes civis da oposição em agosto.

No restante do país, o temor é de que o conflito se expanda e transforme o território sírio em um novo Iraque ou Líbano dos anos 1980, com disputas sectárias. "As pessoas estão com medo do que poderá acontecer. Poucos têm coragem de dizer isso para você, que é estrangeiro. Mas todos os sírios sentem medo do que está por vir", disse um sunita de uma família tradicional de Damasco, dono de uma loja de antiguidades na parte antiga da cidade. "Eu amo Bashar, ele é a única salvação da Síria", afirmou o cristão Elias, no centro da capital.

"O regime ainda está intacto e Assad não corre risco nos próximos seis meses. Mas um conflito civil de baixa intensidade prosseguirá de forma crônica", diz Ayham Kamel, especialista em Síria da consutoria de risco político Eurasia. Os opositores armados, antes do fracasso de uma resolução condenando o regime sírio no Conselho de Segurança, ainda mantinham a esperança de uma ação internacional nos moldes da Líbia para derrubar o presidente sírio. Ao todo, segundo a ONU, 3.000 civis foram mortos pelo regime. O governo rejeita este número e argumenta que grupos armados mataram 700 membros das forças de segurança.

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Na crise síria, os mais radicais a favor de Assad, que desfruta ainda de enorme apoio, são os cristãos, muçulmanos alauítas e drusos. Os  seculares da maioria muçulmana sunita também defendem o governo, mas com reticências. Os opositores se dividem em diversas facções, incluindo sunitas mais conservadores do interior, uma elite intelectual nas maiores cidades e alguns jovens inspirados pelos protestos pró-democracia da praça Tahrir, no Cairo, além da minoria curda. Para completar, existe uma parcela da população que está silenciosa esperando os acontecimentos.

Em áreas cristãs, como o bairro de Bab Touma, na capital síria, os cartazes de Assad, em um ato de culto à personalidade, estão pendurados em todas as paredes e falar mal do líder sírio é tabu e pode colocar uma pessoa no ostracismo. Já nos meios intelectuais, inclusive de jornalistas estrangeiros, ocorre o inverso, onde não se pode defender o governante da Síria. No suq Hamidiyeh, uma área comercial dos tempos otomanos, com a presença dos tradicionais comerciantes sunitas de Damasco, o gigantesco outdoor na entrada com a imagem de Bashar foi retirado. Ele tampouco aparece em fotos nestas lojas e mercados.

Nas vilas alauítas, sunitas e cristãs ao redor de Homs, os moradores estão se armando. Há histórias de decapitações e mutilações, inclusive de mulheres e crianças, dos dois lados. O centro da cidade, de onde partiu a maior parte dos imigrantes sírios para o Brasil, está repleto de barricadas, segundo relatos feitos para mim por oposicionistas e partidários de Assad. "Esperamos que esta crise passe para aqui não ficar como Bagdá", disse o refugiado iraquiano Ahmad Hussein, que vive na Síria.

Já quem visitar Damasco e ver seus novos cinemas e shoppings achará que pousou em um país estável. Em duas sexta-feiras, quando ocorrem os protestos no mundo árabe, circulei por algumas das praças principais da cidade e viu apenas crianças brincando em balanços, senhoras sentados nos bancos e jovens namorando no gramado. Havia policiamento, como em outros anos, mas sem tanques e tropas de choque. Protestos eram inexistentes. Estrangeiros residentes na capital síria confirmaram que tem sido assim desde o início, a não ser por atos de apoio a Assad.

Ao mesmo tempo, não tive autorização do Ministério da Informação da Síria, que me monitorou a maior parte tempo através de um acompanhante, de circular pelo subúrbio de Duma e também de viajar para Homs. O argumento deles foi o de que a minha segurança estaria em risco. Membros da oposição, por sua vez, dizem que a proibição do governo visava " me impedir de observar as forças de segurança alvejando contra manifestantes indefesos".

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As versões de que todos os participantes destes protestos seriam pacíficos, como dizem alguns membros da oposição (publicamente, vários opositores já admitiram estarem armados), ou de que seriam todos integrantes de gangues armadas, como afirma o governo, não correspondem à realidade. Há muitos opositores genuinamente pró-democracia com os quais me reuni em Damasco.  Por outro lado, em um hospital da capital síria, foi possível conversar com mais de dez feridos a tiros em combates com a oposição. Eles descreveram em detalhes como foram atacados. "Havíamos saído para almoçar quando motociclistas passaram e começaram a atirar contra a gente", disse o sargento Mohammad Youssef. Em Deraa, vi instalações do governo destruídas e mais de uma pessoa afirmou que "os manifestantes na realidade eram pessoas encapuzadas e bem armadas".

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Obs. A resposta do post da teoria dos jogos será publicada depois da série de matérias sobre a Síria

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O jornalista Gustavo Chacra, correspondente do jornal "O Estado de S. Paulo" e do portal estadão.com.br em Nova York e nas Nações Unidas desde 2009, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já fez reportagens do Líbano, Israel, Síria, Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Egito, Turquia, Omã, Emirados Árabes, Iêmen e Chipre quando era correspondente do jornal no Oriente Médio. Participou da cobertura da Guerra de Gaza, Crise em Honduras, Crise Econômica nos EUA e na Argentina, Guerra no Líbano, Terremoto no Haiti e crescimento da Al-Qaeda no Iêmen. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires. Este blog foi vencedor do Prêmio Estado de Jornalismo, empatado com o blogueiro Ariel Palacios

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