Em 1992, um partido de viés conservador islâmico, a Frente Islâmica de Salvação (FIS), venceu a primeira etapa das eleições legislativas. As Forças Armadas argelinas, temendo que este partido chegasse ao poder, deram um golpe. Os membros da FIS passaram a ser perseguidos. Sem alternativa, pegaram em armas e fundaram o Grupo Islâmico Armado (GIA).
Esta organização adotou táticas terroristas e de guerrilha contra as Forças Armadas. Vale lembrar que os militares contavam com amplo apoio da população argelina, especialmente os muçulmanos mais seculares, enquanto a FIS e seu braço militar GIA sempre contaram com a simpatia dos muçulmanos mais religiosos. Uma guerra durou anos e até hoje existe insegurança na Argélia. Este conflito, inclusive, explica porque não tivemos Primavera Árabe em Argel, diferentemente do que ocorreu em outras nações do Norte África - Líbia, Tunísia e Egito, lembrando que o Marrocos adotou reformas democratizantes depois de protestos iniciais.
Antes disso, a Argélia não enfrentava problemas internos. Ninguém previa uma guerra civil. O país não possui divisões sectárias como o Líbano, Iraque e Síria. Além disso, passava por um processo de democratização, com a Frente de Libertação Nacional abrindo espaço para novos partidos. O único problema, e grande problema, para os militares e parcela elevada da população de viés laico era uma vitória da FIS.
O cenário, com suas óbvias diferenças, parece se repetir no Egito. A Irmandade Muçulmana venceu eleições parlamentar e presidencial. Depois de um ano no poder (a FIS não chegou a assumir), foi deposta pelas Forças Armadas em meio a protestos da população. Agora, seus líderes passaram a ser perseguidos.
Existe, obviamente, o risco de a Irmandade, depois de não ser aceita no processo democrático, apelar para as armas, como a FIS e seu braço GIA. E uma guerra civil poderia se iniciar no Egito. Este cenário, que fique claro, é sombrio e talvez não o mais provável. Não podemos, porém, descartar esta possibilidade. Afinal, mesmo que o Egito não seja Síria, está bem próximo de ser a Argélia.
Guga Chacra, comentarista de política internacional do Estadão e do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires