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De Beirute a Nova York

Faça um teste e imagine que você seja um cristão (ou alauíta) democrata na Síria

no twitter @gugachacra

Por gustavochacra
Atualização:

Antes de começar, entrem para escolher no portal do Estadão o fato mais marcante de 2011.

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Imagine que você seja um cristão sírio vivendo em Damasco hoje. No caso, você defende os valores democráticos. Se pudesse, gostaria que a Síria fosse a Suécia. Advogado, fez LLM na Universidade de Chicago. Seu filho mais velho quer seguir a sua carreira e estuda direito na Universidade de Damasco. No Facebook, ele conversa sempre com o primo, que vive em Detroit. Os dois desfrutam dos mesmos interesses, a não ser pela diferença de um preferir futebol e o Liverpool e outro ser fanático por baseball e o Tigers.

Todos os domingos este advogado, chamado Samir, vai com o filho Adnam,a filha, Yasmine, e a mulher, Leila, buscar a sua mãe em Bab Touma e participar da missa na Igreja Assíria da cidade velha de Damasco. Fluente em aramaico, ele cobra do filho que estude mais a língua de cristo para as orações.

Yasmine usa os cabelos soltos e passou parte do verão na casa de uma amiga alauíta em Tartus. As duas usavam biquíni na praia e à noite saíam com os namorados para a balada. O melhor amigo dela é gay e as levou um dia a uma festa de homossexuais. Adbam prefere mais os shows de rock. Toca violão e tem deixado o cabelo crescer.

Os dois nunca foram para a Arábia Saudita. Feminista como a mãe, Yasmine repudia a forma como as mulheres são tratadas pelos homens em Riad. Na classe, ela sempre gosta de discutir com os colegas homens. Para eles, como a Síria, apenas existe um país árabe liberal - o Líbano. Mas desde 2005 deixaram de visitar Beirute porque o carro de um de seus tios foi apedrejado por ter uma placa da Síria depois da morte de Rafik Hariri.

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Através de uma fita pirata, assistiram ao filme israelense A Noiva Síria. Os dois irmãos ficaram fascinados como Israel conseguiu mostrar a ocupação do Golã de uma forma pró-Síria.  Eles nunca imaginariam uma novela síria tratando do tema dos ataques terroristas contra os israelenses. No Google Street, ela também ficou observando a arquitetura Bauhaus de Tel Aviv e sonha em conhecer a cidade. Ao mesmo tempo, o pai, Samir, lembra para os filhos que, na idade deles, chegou a nadar no mar da Galiléia. Mas hoje a região é ocupada por Israel. Também conta de seu amigo Farid, de 75 anos, um cristão palestino que teve a família expulsa de Jaffa e precisou ir viver em Damasco.

Hoje, eles amanheceram e viram no jornal que a Irmandade Muçulmana está vencendo as eleições no Egito. Adnam também comenta que o goleiro de futebol da sua classe é um cristão que precisou fugir do Iraque. Samir diz que seu sócio, um cristão de Homs, está desesperado porque o Exército não está conseguindo mais segurar o avanço dos conservadores sunitas (como eles chamam os opositores). A Arábia Saudita, de onde vêm aqueles homens em busca de profissionais do entretenimento adulto em Damasco, censura o regime sírio na Liga Árabe. Na rua, Yasmine foi advertida por um vendedor de que os dias de ela usar aquela calça justa estão contados.

Samir, um democrata que queria o fim do regime de Assad com todas as forças, não sabe o que fazer. Como defender um homem que cada vez mais massacra o seu próprio povo, cometendo crimes contra a humanidade e matando 263 crianças? Advogado, ele quer justiça e acha que o lugar do governante é Tribunal Penal Internacional de Haia. Seus negócios também começaram a ir mal. Perdeu a conta de empresas dos Emirados que retirarão seus negócios de Damasco. Um investidor turco também deixou de lado a aquisição de um hotel boutique na cidade velha. A situação financeira se agravou. Mas ele quer dar um tablet chinês para o filho de Natal.

Na época que viveu nos EUA, conseguiu um passaporte. Há duas semanas, um amigo de infância em Nova York o convidou para ser sócio em um restaurante no Brooklyn. A filha estava vendo mestrados em arquitetura na NYU. Seu objetivo é ser uma nova Zaha Hadid.

Hoje, Samir tem três opções. Primeiro, pode se aliar à oposição contra o regime ditatorial de Damasco e correr o risco de ser torturado ou mesmo morto. Além disso, sabe que a Yasmine não teria as mesmas liberdades da geração da Leila. A segunda opção é defender o regime. Mas como ser humano fica difícil apoiar algo que mata crianças. Por último, resta a opção de ir para os EUA. O que você acha que ele fará?

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E, insisto, cito um caso fictício de alguém com condições de mudar de país. Os cristãos iraquianos, ao serem perseguidos, foram recebidos quase que apenas pela Síria. Sem os sírios, sobra o Líbano. Os demais países árabes querem distância dos cristãos. Isso sem falar nos alauítas. Estes tem apenas as suas montanhas para se refugiar.

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O jornalista Gustavo Chacra, correspondente do jornal "O Estado de S. Paulo" e do portal estadão.com.br em Nova York e nas Nações Unidas desde 2009, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já fez reportagens do Líbano, Israel, Síria, Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Egito, Turquia, Omã, Emirados Árabes, Iêmen e Chipre quando era correspondente do jornal no Oriente Médio. Participou da cobertura da Guerra de Gaza, Crise em Honduras, Crise Econômica nos EUA e na Argentina, Guerra no Líbano, Terremoto no Haiti e crescimento da Al-Qaeda no Iêmen. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires. Este blog foi vencedor do Prêmio Estado de Jornalismo, empatado com o blogueiro Ariel Palacios

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