Israel, e mesmo os Estados Unidos e outros países, infelizmente, ao olharem no mapa veem um país chamado "Hezbollah" e não "Líbano". Falam como se apenas a milícia xiita, que também é um partido político, existisse no território libanês, se esquecendo dos cristãos, dos sunitas, dos drusos e mesmo de um número crescente de xiitas que se opõe ao grupo.
Sem dúvida, o Hezbollah tem poder no Líbano, especialmente no sul e em parte do vale do Beqaa. Sem dúvida o Hezbollah possui deputados e até ministros. Sem dúvida, o Hezbollah é uma milícia bem armada que muitas vezes leva mais em consideração os interesses iranianos e não os libaneses.
Mas o premiê do Líbano é opositor do Hezbollah. Cerca de metade da população do país votou em coalizões que se opõem ao grupo - e alguns votaram na coalizão à qual pertence o grupo por simpatizarem com partidos cristãos, como a FPL, mas não com o Hezbollah. Na TV, todos os dias, há programas, inclusive de comédia, dedicados a criticar ao Hezbollah. Aliás, há canais de TV exclusivamente para criticar o Hezbollah, como a Future, ligado ao rival 14 de Março. Alguns dos principais jornais, como o An Nahar e o L'Orient le Jour, todos os dias trazem artigos criticando o Hezbollah. Muitos libaneses, especialmente sunitas, mas também alguns cristãos e xiitas, criticam abertamente o Hezbollah.
O Hezbollah possui 12 de 128 deputados no Líbano. Menos de um décimo. Precisa se aliar a grupos cristãos para ter poder. Ainda assim, mesmo o cargo de presidente do Parlamento, dedicado aos xiitas por lei, não pertence ao grupo - está com a sua aliada, a mais secular Amal. O premiê, sunita por lei, é opositor ao Hezbollah. O grupo tampouco conseguiu que seu aliado Michel Aoun seja o presidente, um cargo reservado aos cristãos e hoje vago devido a divergências internas entre os próprios cristãos, como mostrarei em outro post.
Para completar, o Hezbollah hoje está em uma guerra de sobrevivência na Síria. Israel está bem, mas bem distante do topo da agenda do grupo. Simplesmente, o Hezbollah não tem condições de abrir uma nova frente diante dos avanços de seus inimigos do ISIS e da Al Qaeda na Síria. Precisam também, em caso de colapso total da Síria, estarem preparados para defender não apenas o Líbano, como os próprios bastiões do grupo no território libanês.
Insisto, o Líbano é muito, mas muito mais do que o Hezbollah. É a principal democracia árabe, uma nação que não atacou ninguém, o único país da região com identidade cristã e onde as religiões tentam conviver pacificamente no Oriente Médio. Tudo em um território do tamanho do Sergipe, com um inimigo com armas nucleares ao sul e um outro em guerra civil ao norte e ao leste, sobrando apenas o Mediterrâneo ao oeste, como falei em outro post.
Guga Chacra, comentarista de política internacional do Estadão e do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires