Trump nunca foi político. Na verdade, nasceu rico e soube usar a herança do pai para se tornar bilionário. Desde muito jovem era uma celebridade de Nova York. Todos o conheciam. Estava sempre na TV e nas capas de revista dando a sua opinião sobre os mais variados assuntos. Foi um doador de campanha, inclusive de Bill e Hillary Clinton. No passado, era mais de esquerda, apoiando o Partido Democrata. E, para completar, comandou um bem sucedido programa de televisão.
Já Bolsonaro é um militar da reserva de classe média com pouca experiência na iniciativa privada. É um político de carreira. Nunca foi uma celebridade no sentido pleno da palavra. Não saia com várias mulheres. É pouco viajado e, de forma alguma, possui o perfil playboy de Trump. Tampouco possui amigos na elite de São Paulo e do Rio como Trump possui na de Nova York e Los Angeles.
Trump pode disputar a Presidência pelo Partido Republicano, um dos dois gigantes da política americana, com uma máquina poderosíssima. Ser o candidato republicano já o coloca automaticamente muito perto da Presidência, ainda que não seja o favorito diante de Hillary Clinton. Os republicanos controlam o Senado, a Câmara dos Deputados e maior parte dos governos estaduais.
Bolsonaro integra um partido minúsculo, desconhecido da maior parte da população brasileira e que está longe de conseguir ser majoritário na Câmara ou no Senado. Para completar, o Brasil tem um sistema multipartidário, enquanto os EUA são bipartidários - sim, existem partidos menores, mas sem representação.
Economicamente, Trump é abertamente protecionista, contra o livre mercado. Bolsonaro diz ter passado a defender o liberalismo econômico, sendo o oposto de Trump. Ao mesmo tempo e antagonicamente, defende o estatizante regime militar brasileiro. Trump é totalmente contra estatais. Debater política externa tem pouca relevância diante da diferença de pesos diplomáticos dos dois países.
Trump, embora diga ser contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, tem muitos amigos homossexuais e evita entrar em atrito com gays. Bolsonaro é acusado de criticar pessoas pelo simples fato de elas serem gays. Trump tem posições classificadas como islamofóbicas, como a absurda proposta de barrar muçulmanos nos EUA, o que incluiria o presidente da Indonésia, Zidane, Malala e o Nobel de Literatura Orhan Pamuk. Bolsonaro não se aprofunda neste tema.
No caso das armas, são contextos diferentes. Ambos defendem o porte de armas, mas Trump o faz dentro de uma nação com a tradição da segunda emenda da Constituição que garante a posse de armamentos. Bolsonaro fala dentro de um país onde não esta tradição não existe e o debate possui outros contornos.
Trump diz ser contra o direito ao aborto, embora tenha sido a favor no passado e muitos dizem que ele mudou de opinião por motivos eleitorais. E o aborto é legalizado nos EUA há quatro décadas. Bolsonaro sempre foi contra e o Brasil proíbe o aborto. Trump nunca foi religioso. Bolsonaro integra um partido religioso. Trump diz não acreditar nas mudanças climáticas, batendo de frente com a ciência. Bolsonaro não se aprofunda no tema. Trump defende a tortura para combater o terrorismo. Bolsonaro defendeu um torturador do regime militar.
Trump se opõe a um governo sem praticamente nenhum escândalo, que cortou a taxa de desemprego pela metade, crescendo bem e mantendo a inflação sob controle abaixo de 2%. Bolsonaro se opõe a um governo envolvido em um mega escândalo de corrupção e com a economia na sua maior recessão em décadas.
Trump classificou imigrantes sem documentos do México como estupradores e criminosos. Bolsonaro classificou imigrantes no Brasil como escória. Mas, neste caso, há diferenças. Trump consideraria Bolsonaro mais um "mexicano", pois este é um termo genérico para quem vem do sul do Rio Grande (fronteira dos EUA com o México). Veria Bolsonaro como um "marrom", não como um "branco". Bolsonaro, por sua vez, se vê como branco, embora nos EUA ele não tenha esta classificação.
Guga Chacra, blogueiro de política internacional do Estadão e comentarista do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires