No início da Guerra da Síria, Aleppo estava quase intocada. Era um bastião de apoio ao regime. Ao longo de 2012, começaram os conflitos e, de repente, a cidade ficou dividida. Uso sempre como exemplo o Rio de Janeiro para facilitar a descrição. As áreas mais ricas da cidade ficaram com o regime de Assad - seria como se a Zona Sul carioca estivesse com o governo. As áreas mais pobres, equivalentes à Baixada Fluminense, ficaram com a oposição.
Neste primeiro momento, os opositores eram relativamente moderados. Mas grupos mais extremistas ganharam força. Hoje os rebeldes nesta parte da cidade, esvaziada por bombardeios do regime, são majoritariamente ligados a grupos como a Frente Nusrah - Al Qaeda na Síria.
As áreas do regime perderam também muitos habitantes. Ainda possui uma expressiva população de cristãos, alguns alauítas e também sunitas mais moderados ou mesmo laicos. Eles compõem a classe média síria, cada vez mais em extinção. Quem conseguiu foi embora. Os que ficaram até tentam desfrutar a vida como podem - há relatos de baladas surreais em Aleppo durante a guerra, não muito diferente do que ocorria em Beirute na Guerra Civil.
Nos últimos meses, com o apoio da Rússia, o regime de Assad voltou a ganhar força e busca reunificar a cidade e o bombardeio entra neste contexto e é apenas o último crime contra humanidade de centenas cometidos na guerra. Mesmo que conquiste as áreas nas mãos da oposição, reunificar será apenas algo simbólico. As regiões nas mãos dos rebeldes são um amontoado de ruínas.
Guga Chacra, blogueiro de política internacional do Estadão e comentarista do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires