Uma das suas prioridades foi a inclusão de mulheres na educação e também aumentar o direito delas na sociedade iraquiana. Em 1991, conseguiu elevar o número de mulheres para 30% no corpo docente das universidades - pode parecer baixo para padrões ocidentais, mas é gigantesco para o mundo árabe.
Até 1990, 97% da população urbana e 71% da população rural tinha acesso à saúde universal e gratuita na ditadura de Saddam Hussein. O ditador iraquiano investiu pesadamente em faculdades de medicina sofisticadas, como a de Mosul, uma das melhores do Oriente Médio na época, e em hospitais públicos. A mortalidade infantil despencou de 80 por mil habitantes para 40 por mil habitantes de 1974 a 1989 com o programa de saúde pública de Saddam. O líder iraquiano também fez enormes investimentos em infraestrutura, inclusive contratando empreiteiras brasileiras ao longo dos anos 1970 e 80. Para completar, Saddam protegia algumas minorias religiosas, como os cristãos, enquanto perseguia outras.
Saddam atingiu todos estes objetivos apesar de uma sangrenta guerra contra o Irã nos anos 1980, que deixou 1 milhão de mortos. O cenário para o ditador iraquiano começou a piorar a partir da sua frustrada invasão do Kuwait e consequente Guerra do Golfo em 1991. Seu regime foi alvo de sanções internacionais e de um embargo americano. Todos os seus avanços na saúde e educação foram perdidos nos anos seguintes. Em 2003, Saddam foi deposto em invasão americana.
O curioso é que, mesmo nos anos 1980, quando Saddam produzia ótimos resultados na saúde e na educação, ele não era idolatrado por ninguém. Sempre foi visto, corretamente, como um ditador sanguinário que perseguia opositores, censurava a imprensa e eliminava totalmente as liberdades democráticas.
Alguns argumentarão que Saddam usou armas químicas contra curdos. Verdade. Estas ações se intensificaram no fim nos anos 1980 e são condenadas internacionalmente.
Enfim, Saddam sempre foi tratado como ditador independentemente de suas conquistas na área da saúde e da educação e pela redução na desigualdade social e de ter sido alvo de sanções internacionais (no caso, do mundo todo, não apenas um embargo dos EUA). Por este motivo, Fidel Castro, que assumiu o poder em uma Cuba que tinha a terceira renda per capita da América Latina, atrás da Argentina e da Venezuela, também deve ser chamado de ditador apesar de seus avanços na área da saúde e da educação. Ditador é ditador. Sem dúvida Saddam foi mais sanguinário, mas Fidel também foi sanguinário - e convenhamos que o contexto de uma ilha sem divisões sectárias é mais simples do que uma nação no coração do Oriente Médio.
E podem me dizer - "O Saddam tinha apoio dos EUA nos anos 1980". Verdade. E Cuba tinha da União Soviética. E, convenhamos, os EUA fizeram duas guerras contra Saddam. Fidel, no máximo, foi alvo de uma invasão mal organizada na baía dos Porcos.
E olhem que nem vou entrar na questão de Bashar al Assad, que também garantiu educação e saúde gratuita não apenas para os sírios, como também para refugiados palestinos e iraquianos. Claro, assim como Fidel e Saddam também é sanguinário - embora fosse menos do que os dois antes da Guerra da Síria, em 2011. E, claro, é ditador.
Guga Chacra, blogueiro de política internacional do Estadão e comentarista do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires