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Direto da Europa

A última aparição pública de Mandela

Reproduzo abaixo a matéria que escrevi em 11 de julho de 2010 na gelada Johannesburgo, sem saber que aquela seria a última aparição pública de Nelson Mandela ao mundo e ao povo sul-africano.

Por jamilchade
Atualização:

 

JOHANNESBURGO - 11.07.2010 - "Muito obrigado por ter trazido a Copa para a África". O agradecimento humilde presenciado pelo Estado nos bastidores do estádio Soccer City foram as últimas palavras que o prêmio Nobel da Paz, Nelson Mandela, disse aos cartolas da Fifa e representantes de seu governo ao deixar o estádio ontem. Nem Espanha, nem a seleção da casa - a África do Sul. Quem entrou em campo e recebeu provavelmente a maior ovação de toda a Copa de 2010 foi o ícone da luta contra o apartheid. Pela televisão, mais de 700 milhões de pessoas acompanharam a final e a rara aparição do líder africano.

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Mandela teve uma participação central na conquista da África do Sul para ser sede da Copa, em 2004. Visitou líderes, enviou cartas e fez apelos pessoais. Queria a Copa para colocar a África do Sul definitivamente no mapa mundial. Ontem, seu agradecimento foi recebido como a culminação de seu esforço por, primeiro, mudar o país internamente e depois transformar a imagem da África do Sul pelo mundo. Mandela, segundo pessoas próximas a ele, tinha a consciência de que a Copa teria um impacto para a imagem de seu país que nenhum outro evento jamais conseguiria.

O maior ícone africano vivo percorreu a linha do meio campo do estádio em um carro de golf, em um trajeto que levou apenas alguns minutos. Para enfrentar o frio, luva, chapeu e muita roupa. Ao sair do campo, Mandela foi recebido por toda a cartolagem da Fifa, que o acompanhou diretamente ao carro.

Acompanhado pelo Estado, o momento da partida de Mandela do estádio não deixou de emocionar nem os sérios cartolas.

Mandela tinha sua presença marcada para a abertura da Copa, há um mês, e a esperança era de que inspirasse a seleção sul-africana. Mas a morte tráfica de uma de suas bisnetas na noite anterior à abertura mudou seus planos e colocou a família mais famosa do país em luto. Com 91 anos e uma saúde frágil, Mandela surpreendeu ontem aos quase 85 mil pagantes ao entrar em um carro de golf ao lado de sua mulher.

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Mas sua presença não ocorreu sem uma troca de farpas entre a família Mandela e a Fifa, ávida por lustrar seu brasão e sua imagem de pouca credibilidade com a presença da personalidade que simboliza a paz e a justiça. Ontem, a família de Mandela criticou a Fifa por estar pressionando o prêmio Nobel a ir ao estádio e participar da festa ao lado de astros de Hollywood, 17 chefes de estado e cantoras como Shakira. "Estamos de luto e precisamos permitir meu avô a também se proteger do frio. A Fifa deve levar isso em consideração e parar de pressionar", disse o neto de Mandela, Mandla Mandela, espécie de porta-voz da família.

Mas em uma Copa que está sendo considerada como o maior momento de euforia no país desde a libertação de Mandela há 20 anos, sua presença em campo era algo desejado não apenas pela Fifa, mas pelo próprio governo. Em 1995, Mandela teria inspirado a seleção local de rugbi no campeonato mundial disputado no país. A África do Sul surpreendeu e acabou vencendo.

Os acenos quase tímidos e um sorriso inconfundível foram suficientes para deixar todo um estádio estático. Os sul-africanos que não estavam ainda nas arquibancadas pulavam de alegria ao ver Mandela pelos telões espalhados pelos corredores do Soccer City. "Não posso acreditar, não posso acreditar", gritavam seguranças e funcionários dos bares do estádio ao ver Mandela.

 

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