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Direto da Europa

Exclusivo: sobreviventes do Mediterrâneo contam suas travessias

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Por jamilchade
Atualização:

PASSAU, Alemanha - Os barcos e botes que chegam diariamente à Europa são retratos de uma crise profunda. Mas também o espelho da sociedade. Refugiados que sobreviveram ao mar Mediterrâneo contam ao Estado que os barcos repetem as diferenças sociais em terra: os mais ricos vão em locais mais seguros - como no deck - e os mais pobres vão nos porões, com grandes chances de morrer no caminho.

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A reportagem do Estado falou com três eritreus. Todos eles chegaram em barcos que saíram da Líbia e, depois de um longo trajeto e burocracia, estavam na Alemanha aguardando para eventual serem considerados como refugiados.

Se de um porto seguro a imagem de pessoas amontoadas nos barcos parece não distinguir as pessoas, Kosay Abraham conta que a realidade é bem diferente para os passageiros. "Brancos e ricos vão na parte de cima do barco. No porão, os negros e pobres", disse.

Ele passou quatro dias no mar em 2014. "Conheci uma pessoa num café em Trípoli e acertamos um preço", disse o africano que já havia cruzado o Saara em um caminhão, saindo da Eritreia, passando pelo Sudão e atravessando a Líbia. Num total, mais de 5 mil quilômetros percorridos em 5 meses para se juntar à sua esposa e a família dela, que já estavam na Europa.

Para ele, porém, o pior trecho foi o mar. "Eu só tinha mil euros. Paguei e me disseram que isso só me dava direito de ficar no porão. Fui jogado la e fiquei sentado sobre a gasolina por quatro dias, sem se mexer, sem comer, sem nada", disse. "Em meu barco, éramos 300. 95 morreram", disse. Para ficar na parte mais segura do barco, o preço era de 3 mil euros. "Só tinha árabes na parte de cima. No porão, só tinha africano".

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Hadra Denii diz que até se sente mal quando lembra da viagem. Seu barco também saiu da Líbia. Mas, antes, os traficantes a levaram a uma casa com dezenas de outras pessoas. "Eramos espancados por qualquer motivo. Eu mesmo levei um tapa por falar com minha vizinha e por três dias não conseguia ouvir bem", disse.

Uma vez no barco, a viagem que tinha como promessa durar dois dias passou a ser um pesadelo quando se deram conta que o motor estava quebrado, em pleno oceano. "Por sete horas ficamos à deriva, balançando de um lado para o outro. Eu tinha certeza que aquele era o meu fim. As pessoas já rezavam como se estivessem se despedindo da vida. Tinha gente que começou a ter alucinações.

Semret Medhane chegou na Alemanha há um ano. Mas admite que continua tendo pesadelos pela noite. "Ainda continuo sonhando com o balanço do barco", disse.

Todos, porém, abrem um sorriso quando a pergunta se refere ao futuro. Nos planos, estudar, trabalhar e construir uma família.

Kosay insiste que não quer perder tempo. Com sua mulher, acabam de ter uma filha. O nome escolhido para a criança não gerou debate na família, Hiwet, ou "vida" em tigrinya, a língua da Eritreia.

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