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Direto da Europa

Para sobreviver, times gregos fecham patrocínios com prostíbulos e funerárias

 

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Por jamilchade
Atualização:

Não é novidade para ninguém que a Grécia enfrenta sua pior crise desde a Segunda Guerra Mundial e que a recessão já afeta de forma profunda o esporte. Nas pequenas cidades, bairros e famílias, as pessoas estão levando a vida como podem, se re-organizando e buscando alternativas. Mas times de futebol das divisões inferiores da Grécia levaram essa máxima ao extremo.

Sem ter como pagar pelos salários de seus jogadores, o clube Voukefalas, da cidade de Larissa, fechou um acordo com uma casa de prostituição. A "empresa" passou a pagar parte dos salários dos jogadores e, em troca, ganhou o direito de colocar seu nome "Villa Erótica" no espaço nobre da camisa do time.

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A Federação Grega de Futebol ainda precisa aprovar a iniciativa, antes que o clube possa entrar em campo com o novo patrocinador. Mas, segundo o presidente do time, Ioannis Batziolas, a outra opção será fechar as atividades do departamento de futebol, depois que a Federação deixou de distribuir dinheiro aos clubes por conta da crise.

"Quando anunciamos aos jogadores que o nosso patrocinador seria um bordel, eles quiseram logo saber de eventuais bónus", brincou Ioannis Batziolas, em entrevista a uma Rádio grega. "A proposta foi feita estritamente por razões económicas. Quando foi feita, não a podíamos recusar", disse o dirigente. O dinheiro vem de uma senhora de 67 anos e que é a dona de três bordéis na região.

Na primeira partida com o novo patrocinador, o time enfrentou o Hercules, que é apoiado financeiramente por um bar conhecido por ser local de "escorte girls".

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Já o time do Paliopyrgos, da cidade de Trikala, foi buscar apoio em outro segmento da economia. Fechou um acordo com uma agência funerária Karaiskaki. O clube entra em campo com um uniforme negro, com uma cruz no centro e o nome do "patrocinador".

"Foi uma questão de sobrevivência. O dono da agência funerária é um amigo e concordamos", explicou o diretor geral do Paliopyrgos, Lefteris Vasiliou, que lembra que o clube ficou sem apoio por três anos e estava prestes a fechar as portas.

A situação desses clubes de divisões inferiores se contrasta com a realidade vivida pelo país há quase dez anos. Em 2004, Atenas sediava os Jogos Olímpicos com o orgulho de um país que finalmente recebia de volta para casa o movimento que havia iniciado antes mesmo de Cristo. O preço do "orgulho" chegou a 11 bilhões de euros, duas vezes maior que o que estava sendo planejado. As distorções nos gastos públicos se proliferaram e atletas ganharam cargos públicos em ministérios, sem nunca chegar a ir a seus gabinetes. Apenas recebiam o salário para se manter e continuavam treinando.

Anos depois, a herança olímpica e o esporte na Grécia estão em ruínas. Os cortes no orçamento do governo por conta de sua crise econômica mais séria já vivida pelo país e a recessão estão levando a um desmonte de tudo o que havia sido construído para os Jogos Olímpicos. Para muitos, o legado do evento é hoje apenas um acumulado de dívidas que contribuiu para o calote do país.

Assim, no processo de reforma do país, o esporte não ficou isento de cortes profundos. O governo anunciou o corte de 33% na ajuda a federações esportivas, minando de forma dramática a capacidade de algumas equipes e de esportistas de elite para se preparar para os Jogos Olímpicos de 2012, em Londres.

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O Comitê Olímpico Grego teve em 2011 uma ajuda estatal de meros 8 milhões de euros, depois de receber mais de 30 milhões de euros nos últimos anos. Os problemas não pararam por ai. Atenas foi humilhada ao perder o direito de sediar os Jogos Mediterrâneocs de 2013, uma espécie de Pan dos países do Mar Mediterrâneo. A exclusão da Grécia do evento ocorreu depois que o governo decidiu retirar 190 milhões de euros do projeto para acomodar os atletas.

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O próprio estádio Olímpico, construído para o evento de 2004, já está à venda e faz parte do plano do governo de vender as « joias da Coroa », para pelo menos se manter vivo. Mas, por enquanto, o governo não encontrou nenhum comprador para o estádio.

A grande maioria das 22 instalações usadas para os Jogos de 2004 está hoje abandonada. A empresa criada para gerenciar o « legado Olímpico », a Olympic Properties SA, é hoje uma estatal com uma dívida considerada como impagável. Apesar de toda a infra-estrutura deixada pelo COI em 2004, o país hoje não tem recursos nem mesmo para pagar o uso das instalações.

O caos financeiro também atinge os esforços de controle do doping. O governo reduziu pela metade o apoio ao único laboratório do país certificado pela WADA e a medida pode fazer com que a entidade simplesmente desconsidere o laboratório de sua lista por não atender a critérios mínimos. Se isso ocorrer, o país que deu origem ao movimento olímpico ficará sem qualquer possibilidade de realizar seus próprios testes de doping.

Na prática, centenas de atletas gregos estão abandonando os campos de treinamento e dedicando seu tempo a encontrar uma nova forma de financiamento ou pelo menos encontrando um emprego que pague seus aluguéis.

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Neste ano, o time de polo aquático feminino da Grécia ganhou o Campeonato Mundial. Mas no clube que serve de base para a seleção nacional, a Associação Náutica Vouliagmeni, os atletas estão deixando de treinar para buscar um trabalho.

Clientelismo - Parte do problema, porém, não é a crise atual, e sim o sistema montado por décadas na Grécia para financiar atletas de elite. Muitos atletas recebiam cargos públicos. Mas apenas para justificar o pagamento de um salário enquanto treinava.

O problema é que essa ajuda era ineficiente, criava confusões administrativas e distorções nas contas do estado.  As distorções nos gastos também chamam a atenção. Em 2009, por exemplo, o governo destinou o mesmo volume de recursos para maratonistas que para hoquei sobre gelo, no país mediterrâneo.

Nos Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim, a Grécia saiu apenas com duas medalhas de prata e duas de bronze. Em 1896, quando sediou os primeiros Jogos Olímpicos da história moderna, os gregos terminaram com 46 medalhas, das quais dez foram de ouro.

Uma prática recorrente no mundo esportivo grego por anos foi a de apresentar a candidatura do país para receber um determinado evento, mesmo sem o sinal verde do Ministério das Finanças. Uma vez conquistado o direito de sediar o torneio, a federação envolvida pressionava o governo para liberar recursos e normalmente conseguia.

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Agora, todos pagam o preço.

 

Jamil Chade é correspodente do jornal O Estado de São Paulo na Europa desde 2000. Foi premiado como o melhor correspondente brasileiro no exterior em 2011, pela entidade Comunique-se. Com passagem por 67 países e mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Genebra, Chade foi presidente da Associação de Correspondentes Estrangeiros na Suíça entre 2003 e 2005 e tem dois livros publicados. « O Mundo Não é Plano » (2010) foi finalista do Prêmio Jabuti, categoria reportagem. Na Suíça, o livro venceu o prêmio Nicolas Bouvier. Em 2011, publicou "Rousseff".

 

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