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Direto da Europa

UMA ENTREVISTA COM CARLOS FUENTES: MISÉRIA NA AMÉRICA LATINA AMEAÇA A DEMOCRACIA

 

Por jamilchade
Atualização:

 

Há pouco mais de um ano, tive a honra de entrevistar Carlos Fuentes, escritor mexicano que faleceu ontem. Lembro-me que houve um desencontro. Seu agente havia estabelecido um horário para mim, mas informado ao escritor que seria duas horas mais tarde. Quando a confusão foi superada, Fuentes mostrou sua elegância ao pedir desculpas por me fazer esperar, algo que a maioria dos entrevistados jamais pediria. Em seu caso, nem precisaria pedir desculpas. Mostrou também elegância ao falar de temas delicados, ao ser questionado sobre seu passado a sua mudança de postura e ainda pediu perdão por não conduzir a entrevista em português. .

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 Nos anos 60, ele era um dos principais entusiastas da revolução cubana. Ao final de sua vida,  Fuentes constatava na entrevista que "os velhinhos" de Havana já estavam "ultrapassados". Deixou claro que tanto Fidel Castro como Raul Castro estão com seus dias contados, mesmo que tentem se agarrar ao poder. "Cuba já sta vivendo uma transição", declarou. "A incógnita, porém, e quem será a nova liderança, já que qualquer sinal de contestação e liquidada e fuzilada", disse.

Fuentes, porém, se mostrava mais preocupado com outro fenômeno na America Latina: as ameaças que a pobreza representa para a democracia. Seu pais, o Mexico, vive um conflito com mais de 20 mil mortos por ano. Parte dessa guerra envolve o trafico de seres humanos e imigrantes que tentam todos os dias abandonar a região.  "Se governos não entenderem que precisam lidar com a miséria e porque essas pessoas estão tentando sair de seus países , a democracia estará ameaçada", alertou.

Considerado como um dos principais escritos latino-americanos, Fuentes nasceu em 1928 na Cidade do Panama, filho de um diplomata mexicano. Viveu em sua infância em Washington, Buenos Aires e Santiago. Nos anos 70, o escritor foi enviado como embaixador do Mexico em Paris. No final de sa vida, misturava um discurso de acadêmico, escritor e político. Não por acaso, foi apontado pela ONU como uma das figuras no mundo que poderia ajudar a restabelecer o dialogo entre civilizações e ajudar a diferentes comunidades a se entender.

Hoje, essa tarefa de construir pontes entre as diferentes culturas perde um pilar importante.

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Eis os principais trechos da entrevista:

P - O sr. foi apontado pela ONU em 2010 como uma das pontes para possibilitar um dialogo entre civilizações. Como o sr. avalia esse desafio diante de uma tensão que parece ser cada vez maior entre comunidades extremistas, seja do lado cristão, judaico e muçulmano.

R - O dialogo entre civilizações precisa ocorrer. Mas não são as civilizações que dialogam. Quem precisa facilitar isso são os estados e governos precisam tomar a responsabilidade de lidar com esse desafio. O caso da decisão de um padre americano de queimar o corão é emblemática e fico feliz pela reação que houve de lideres políticos de todo o mundo condenando a atitude, de varias regiões do mundo. Queimar livros sagrados e algo inaceitável, pois eles são sagrados para alguém. Portanto, precisamos respeitar. Queimar livros sagrados é um injuria a inteligência humana e aos direitos humanos.

P - Mas vemos também uma tensão cada vez maior entre esses mesmos estados, quando o tema é o fluxo de imigrantes. Na França, o governo se vê envolvido em uma polemica em torno dos ciganos, além de um maior número de barreiras, ações de deportação e políticas xenófobas. Como se explica essa onda?

R - É verdade que o cenário não e bom. Mas o problema dos ciganos e algo inventado pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy. É um absurdo, pois eles voltarão, são europeus e tem todo o direito de voltar a cruzar a fronteira. É um absurdo e uma forma de distrair o eleitorado, como são as maiorias das medidas anti-imigração hoje.

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P - Do ponto de vista latino-americano, qual é sua sugestão sobre como lidar com esse fenômeno da emigração, que também afeta o México como um local de passagem de muitos em direção aos Estados Unidos?

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R - Na América Latina, houve um êxito importante da democracia. Mas de uma democracia política, de liberdade de imprensa. Essa democracia não aborda o fato que metade da America Latina vive na pobreza ainda. Portanto, esse democracia esta ameaçada. A democracia estará em perigo na América Latina enquanto a pobreza não for lidada. Precisamos de políticas para resgatar pobres da situação que vivem. Há poucos tempo, vimos o assassinato de mais de 70 imigrantes na fronteira do México com os Estados Unidos, entre eles um brasileiro. O que precisamos é nos perguntar porque essas pessoas arriscam suas vidas e pagam muito dinheiro para serem levados para fora de seus países. Se eles estão saindo é porque não existe trabalho ou perspectivas. Se governos não entenderem que precisam lidar com a miséria e porque essas pessoas estão tentando sair de seus países , a democracia estará ameaçada.

R - O Sr. acredita que o Brasil também sofre essa ameaça? Na Europa, a agência de fronteira do bloco indicou que os brasileiros são os mais barrados nas fronteiras européias.

P - Há uma continuidade de bons governos no Brasil. Não houve ruptura entre os governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva. Trata-se do mesmo sistema político e que vem avançando. Mas agora precisam focar suas atenções nos motivos que levam esse brasileiros  a tentar uma vida melhor no exterior. A situação de origem do brasileiro morto na fronteira do México precisa ser resolvida. É para pessoas como ele que precisamos governar a partir de agora.

P - Falando em democracia, o sr. acredita que o regime cubano esta preparado para enfrentar uma transição?

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R - Os velinhos la tem a mesma idade minha. É uma geração que já passou. Ela esta ultrapassada. Cuba esta em transição. Ela já começou. A liderança esta desaparecendo e vamos ver uma nova geração. Eu diria que Cuba já esta vivendo uma transição.

P - Mas onde estão os novos lideres?

R - A incógnita, de fato, é sobre quem formara a nova liderança, já que qualquer sinal de contestação e liquidada e fuzilada. Por isso, esta nova liderança não se manifesta. O sistema ainda e muito rígido. Pelo menos, desta vez, o governo americano parece estar tomando as decisões certas. O presidente Barack Obama esta sendo inteligente com Cuba e permitindo o dialogo. Mas a transição e inevitável, por mais que alguns não queiram acreditar.

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