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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Turquia manda prender 47 jornalistas e colunistas críticos ao governo

O cientista político Sahin Alpay foi preso nesta quarta-feira em Istambul, por criticar o governo do

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Atualização:

presidente Recep Tayyip Erdogan. Alpay era colunista do jornal Zaman e comentarista da emissora Mehtap, confiscados pelo governo em março. A Justiça expediu mandados de prisão contra 47 executivos, jornalistas e colunistas do Zaman, que, assim como a Mehtap, era vinculado ao movimento Hizmet (Serviço). Erdogan acusa o movimento de orquestrar a tentativa de golpe militar do dia 15.

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Uma lei aprovada no ano passado que considera crime "insultar o presidente" tem sido usada para prender quem critica Erdogan. Graças à maioria absoluta de que dispõe no Parlamento, o presidente também mudou as leis, dando ao governo o poder de substituir juízes e promotores.

Alpay, assim como outros colunistas e jornalistas do Zaman, não pertence ao movimento, mas escrevia no jornal porque era o único grande espaço de crítica ao governo que havia restado, assim como o canal de TV do Hizmet, também fechado. O Zaman declarava ter uma circulação de 1 milhão de exemplares. No total, segundo o Hizmet, foram emitidos até agora mandados de prisão contra 187 jornalistas.

"Não cometi crime nenhum, não sei por que estou sendo detido", disse Alpay, de 71 anos, ao ser levado pelos policiais de sua casa. Ele já havia sido demitido da Universidade Bahcesehir, por causa de suas críticas ao governo. Alpay publicou um artigo no Estadão em julho de 2013, comparando Dilma Rousseff e Erdogan, e participou de seminário comigo na Fundação FHC, em São Paulo, em novembro do mesmo ano. Eu o conheço desde 2006, quando cobri a visita do papa Bento 16 à Turquia. Estivemos juntos pela última vez em setembro, em Istambul. Ele era bastante conhecido na Turquia. Enquanto jantávamos em um restaurante de Istambul, um grupo de jovens veio pedir-lhe autógrafo.

Trocamos emails pela última vez no dia 18 de julho, quando lhe pedi uma análise da tentativa de golpe. Alpay me escreveu: "O governo parece estar no controle, depois de suprimir uma tentativa de golpe muito amadora principalmente por parte de oficiais de patentes mais baixas. A razão para a tentativa, suspeito eu, é que, enquanto os comandantes se aliaram ao autoritarismo de Erdogan, oficiais de patentes mais baixas estão insatisfeitos com suas políticas de inclinação islâmica".

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O analista recordou: "Há muitos anos tenho argumentado que a pior coisa que Erdogan poderia fazer a este país seria trazer os militares de volta à política. Ele foi bem-sucedido não só em dividir o povo mas também em dividir os militares, que é o pior que pode acontecer a um país. Estes são tempos muito infelizes para a Turquia. Liberais e democratas certamente devem se opor a golpes, mas também defender a lei e a ordem, que expiraram aqui".

Perguntei o que ele achava da acusação de Erdogan, de que o Hizmet e o seu líder, Fethullah Gülen, estavam por trás do golpe: "São os secularistas autoritários, os kemalistas (seguidores de Kemal Atatürk, fundador do Estado turco moderno, que preconizou a separação entre religião e política) os responsáveis pelo golpe fracassado. Erdogan há muito tempo procura fazer uma caça às bruxas contra os gülenistas, acusando-os de tramar o processo de corrupção contra ele. O que é um absurdo. Isso é macartismo puro.Agora ele está acusando até os envolvidos no golpe de serem gülenistas, e usa esse argumento para avançar na limpeza de integrantes das Forças Armadas, do Judiciário e da polícia nos quais não confia".

Desde a tentativa de golpe, mais de 13 mil pessoas foram detidas. Outras 60 mil foram demitidas de empregos públicos, entre civis e militares. As licenças de 21 mil profissionais da educação foram revogadas, mais de 15 mil funcionários do Ministério da Educação foram demitidos e 1.577 reitores de universidades, exonerados. Parte deles era vinculada ao Hizmet, que afirma que foram fechados 35 hospitais, 15 universidades, 934 escolas particulares, 109 repúblicas estudantis, 104 fundações, 1.125 associações fechadas, 19 sindicatos, 38 jornais e portais de notícias.

O movimento contabiliza também 8 suicídios suspeitos e 11 mil passaportes cancelados. Todos os funcionários públicos foram proibidos de sair do país.

Foram demitidos, ainda, 9 mil policiais, 2.745 juízes, 8.777 funcionários do Ministério do Interior, 1.500 do Ministério da Fazenda, 257 do gabinete do primeiro-ministro, ao menos 100 da Agência Nacional de Inteligência (MIT), 399 do Ministério de Assistência Social e 429 do Ministério dos Assuntos Religiosos.

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Erdogan exige do governo americano a extradição do líder do Hizmet, Fethullah Gülen, auto-exilado na Pensilvânia desde 1999. O Departamento de Estado americano pede evidências de envolvimento de Gülen na tentativa de golpe para analisar o pedido. Gülen e o Hizmet negam participação. O movimento é inspirado no sufismo, corrente moderada do Islã, que prega a tolerância e a integração entre as culturas e religiões.

Erdogan também foi originalmente identificado como um líder muçulmano moderado, mas tem assumido posições mais radicais e autoritárias, depois de ter sido acusado, em dezembro de 2013, de desviar bilhões de dólares em um esquema de exportação ilegal de petróleo do Irã, que estava sob sanções dos Estados Unidos e da Europa.

Clique aqui para assistir ao vídeo da prisão de Alpay

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Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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