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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Colômbia enfrentará problemas depois de acordo de paz

Apesar do adiamento de última hora da assinatura do acordo final -- natural em uma negociação complexa como essa --, o processo de paz na Colômbia tem despertado otimismo na comunidade internacional, e sobretudo em vizinhos como o Brasil. A deposição de armas pela guerrilha das Farc, que por sua vez presta serviços de segurança ao narcotráfico, representa um enorme ganho para a precária proteção da fronteira noroeste do Brasil. Entretanto, a Colômbia tem pela frente grandes dificuldades nas áreas de segurança e da economia, com suas repercussões sobre a política.

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Atualização:

Nos termos do acordo, boa parte dos guerrilheiros de patente mais baixa não terá anistia, estando sujeita a punições por crimes cometidos. Isso representa um desincentivo para a adesão dos guerrilheiros ao plano, que prevê a deposição de armas e a criação de um partido político para representar o ideário das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

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Assim, os centros produtores de cocaína nos departamentos (estados) de Putumayo, Cauca, Nariño, Meta, Caquetá, Norte de Santander e Choco deverão continuar com suas milícias armadas remanescentes da guerrilha, adverte a empresa americana de análise de risco Stratfor. Com o agravante de que, sem o comando unificado das Farc -- e do Exército de Libertação Nacional (ELN), a outra guerrilha que também negocia com o governo --, os grupos, fragmentados, passarão a lutar entre si. O cenário remete ao caos dos anos 90, quando a guerrilha enfrentava os paramilitares das Autodefesas Unidas da Colômbia, resultando em massacres de moradores dos povoados, acusados de acolher a um ou ao outro.

No plano econômico, a queda dos preços das commodities teve um impacto particularmente duro sobre a Colômbia. Do superávit de US$ 2,2 bilhões em 2013, a balança comercial mergulhou em um déficit de US$ 16 bilhões em 2015. A Colômbia é exportadora de produtos primários, como petróleo, carvão, esmeraldas, níquel, café, bananas, flores e confecções, e importadora de bens industriais. O segundo destino de suas exportações é a China, com 10,5%, que sofre desaceleração de sua economia. O primeiro são os Estados Unidos, com 26,3%.

A economia colombiana cresceu "apenas" 2,5% em 2015. Parece uma maravilha, para um país em depressão, como o Brasil, mas é perto da metade dos anos anteriores: 4,9% em 2013 e 4,6% em 2014. As negociações conduzidas pelo governo do presidente Juan Manuel Santos são muito mais celebradas fora do que dentro da Colômbia, onde boa parte da população considera que os guerrilheiros são criminosos comuns e deveriam ser punidos ou liquidados, e não tratados como atores políticos. A desaceleração econômica tende a agravar as pressões sobre o governo, cujo Partido Social da Unidade Nacional enfrentará eleições gerais em 2018.

Entretanto, há uma luz no fim do túnel, dizem os analistas da Stratfor: a desvalorização do peso frente ao dólar, que torna os produtos colombianos mais baratos no mercado internacional. Sinais de uma recuperação têm sido vistos na taxa de desemprego, que diminuiu de 11,9% em janeiro para 10% em fevereiro. As estimativas são de que possa ter caído ainda mais em março, para em torno de 9%.

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O prazo final para a assinatura do acordo de paz entre o governo e as Farc expirou no dia 23 de março sem que se concluíssem as negociações. Depois de três anos e meio, foram alcançados acordos com relação à reforma agrária, ao cultivo de drogas ilícitas, à participação política e à aplicação da Justiça com relação aos crimes cometidos de ambos os lados. Mas faltam questões espinhosas, como a desmobilização da guerrilha nos seus redutos nas selvas, chamados de "zonas especiais",  detalhes sobre a deposição das armas e a forma de ratificação do acordo -- se pelo Parlamento ou em um referendo popular, por exemplo.

Em qualquer caso, os ganhos de longo prazo dos acordos com as guerrilhas vão muito além de qualquer conjuntura econômica ou eleição.

Para ler o relatório da Stratfor, clique aqui (requer cadastro).

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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