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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Frases de Trump contra muçulmanos são usadas na Justiça contra decreto

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As palavras duras usadas pelo presidente Donald Trump contra os muçulmanos estão sendo agora utilizadas na Justiça contra o seu decreto do dia 27 que barrou a entrada de estrangeiros. Trump deixou claro durante toda a sua campanha que impediria a entrada de muçulmanos, como forma de evitar atos terroristas em solo americano. Acontece que a lei de imigração e a Constituição americana não permitem esse tipo de discriminação.

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O decreto está suspenso por liminares da Justiça federal. A Corte de Apelações está analisando duas ações, dos Estados de Washington e de Minnesota, que pedem a anulação do decreto com base na retórica de Trump contra muçulmanos. Nas ações, são citadas declarações do então candidato, como uma de dezembro de 2015, na qual ele promete "um fechamento total e completo da entrada de muçulmanos nos Estados Unidos até que os representantes do nosso país possam verificar o que está acontecendo".

Em outro discurso, em agosto do ano passado, Trump defende que os funcionários de imigração analisem os casos de pessoas que tentam entrar no país que "acreditam que a Sharia (lei islâmica) deveria estar acima da lei americana". Também consta das ações uma entrevista que Trump concedeu em janeiro à emissora Christian Broadcasting Network, na qual afirma que pretende priorizar a entrada de cristãos da Síria. Uma lei de 1965 afirma que o governo americano não pode discriminar pedidos de residência de estrangeiros com base na origem nacional e na religião.

A defesa do presidente argumenta que a Justiça não deve "olhar para trás" ou "ficar adivinhando" o que ele pensa, quando analisa a legalidade de um ato seu.

À parte essa discussão jurídica, há uma interessante discussão política aqui. Trump foi eleito, em uma certa medida, graças exatamente a esse discurso anti-islâmico. Entretanto, as leis americanas são um reflexo de um consenso anterior da sociedade, segundo o qual a lei deve ser igual para todos, o que é um princípio universal, mas também o acolhimento de pessoas das mais diversas origens e a multiculturalidade são inerentes à história, riqueza e identidade do país.

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Voltei agora em janeiro ao Museu dos Imigrantes, em Ellis Island, Nova York, que exibe um amplo testemunho dessa história. Com exceção da minoria indígena, que representa menos de 1% da população, e talvez dos descendentes dos ingleses, por um outro critério, não há ninguém nos Estados Unidos que possa alegar que não descende de imigrantes. No século 19, a disputa por empregos levou a uma violenta hostilidade de trabalhadores americanos contra irlandeses. Em 1854, o Partido Nativista defendeu a recusa do direito à cidadania para todos os estrangeiros. Hoje os irlandeses são considerados a quintessência do americano. O próprio Trump descende de alemães por parte de pai e de escoceses por parte de mãe.

No momento da rejeição a outras levas de imigrantes, no passado, também se levantavam argumentos relacionados com a criminalidade e com costumes estranhos a uma suposta "americanidade", como se faz agora com os muçulmanos, ao se associá-los ao terrorismo. Entretanto, como já se assinalou nos últimos dias, nenhum dos autores dos atentados de 11 de setembro de 2001 para cá nos Estados Unidos é de origem dos sete países dos quais o decreto proíbe a entrada: Irã, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iêmen. Mesmo que fossem, não faria sentido uma "punição coletiva" contra as pessoas originárias desses países.

E o que fazer com os americanos que, com muito mais frequência, realizam massacres nos EUA? Seria preciso expulsar todos os americanos para se garantir que não haverá mais atentados. Ou dificultar o acesso às armas. Mas Trump, cuja campanha foi financiada pela Associação Nacional de Rifles, defende esse fácil acesso.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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