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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Morte de Suleimani foi cilada ou impulso de Trump?

Os Estados Unidos tentaram matar também um outro comandante da Força Quds no Iêmen, no dia do assassinato do general Qassim Suleimani no Iraque, 3/1. A informação, confirmada pelos jornais Washington Post e New York Times, torna ainda mais intrigante a revelação do primeiro-ministro do Iraque, Adil Abdul-Mahdi, de que o presidente Donald Trump lhe havia pedido para mediar uma negociação com o Irã, e era para isso que Suleimani tinha vindo a Bagdá.

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Atualização:

Segundo os jornais americanos, que citaram fontes do Pentágono,  o alvo do ataque no Iêmen era o iraniano Abdul Reza Shahlai, comandante da Força Quds no país e que cuidava do financiamento de milícias xiitas apoiadas pelo Irã no Oriente Médio. A ordem partiu do presidente Trump. A operação fracassou.

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Essa informação enfraquece a hipótese de que Trump teria ordenado o assassinato de Suleimani antes de ficar sabendo do seu papel de mediador em Bagdá, e os militares americanos teriam executado a operação antes de receber uma contra-ordem do presidente de abortá-la. 

O fato de terem sido executadas duas ordens de assassinato torna menos provável que os militares não tenham recebido a informação de que as operações deviam ser abortadas. E torna mais plausível pensar que o presidente Trump realmente teve a intenção de decapitar a Força Quds, mesmo depois de ter feito o pedido de mediação ao primeiro-ministro iraquiano. 

Abdul-Mahdi disse ao Parlamento iraquiano no domingo, 5/1, que Trump lhe telefonou para agradecer por sua intervenção pessoal para convencer manifestantes liderados pela milícia xiita Kataeb Hezbollah (Brigada do Partido de Deus) a se retirar da embaixada americana em Bagdá, por eles invadida no dia 31/12. Na conversa, o presidente americano teria pedido que o primeiro-ministro iraquiano mediasse uma negociação com o Irã.

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Abdul-Mahdi contou ainda que recebeu uma mensagem do regime saudita favorável a uma negociação, e a retransmitiu ao Irã. Suleimani veio a Bagdá no dia 3 trazendo a resposta do regime iraniano, afirmou o primeiro-ministro iraquiano: "Eu deveria me reunir com ele na manhã do dia em que ele foi morto. Ele veio entregar uma mensagem do Irã em resposta à mensagem que havíamos entregado dos sauditas para o Irã", afirmou Abdul-Mahdi, na sessão em que pediu que o Parlamento ordenasse a expulsão das tropas americanas do Iraque.

O governo americano não confirmou nem desmentiu essa versão. Essas conversas são gravadas. Se Trump negasse o que tivesse dito poderia ser exposto a um constrangimento. 

A versão é coerente com as atitudes das monarquias árabes do Golfo Pérsico, aliadas dos Estados Unidos. 

O príncipe herdeiro saudita, Mohamed bin Salman, enviou a Washington seu irmão Khalid bin Salman, vice-ministro da Defesa, no dia 6, segunda-feira. Ele se reuniu com o presidente Trump e lhe pediu cautela.  

O regime saudita ainda deixou de lado a rivalidade com o Catar e pediu que enviasse o mesmo recado ao Irã. O vice-primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores do Catar, Mohamed bin Abdulrahman al-Thani, reuniu-se já no dia seguinte ao ataque, dia 4, com o presidente iraniano, Hassan Rouhani, em Teerã. 

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Os Emirados Árabes Unidos (EAU), aliados da Arábia Saudita e dos Estados Unidos, condenaram o assassinato, classificando-o como "flagrante violação das normas diplomáticas e das convenções". O ministro das Relações Exteriores do país, Anwar Gargash, fez um apelo no mesmo dia 4: "À luz desses rápidos acontecimentos regionais, a sabedoria e o equilíbrio devem prevalecer. Precisamos de soluções políticas em detrimento do confronto e da escalada". 

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Fica claro que a ação ordenada por Trump não foi coordenada com os principais rivais do Irã no Golfo Pérsico e aliados dos EUA: a Arábia Saudita e os EAU. E que foi contraditória com a posição do presidente americano perante o primeiro-ministro do Iraque. 

A versão de Trump e do secretário de Estado, Mike Pompeo, de que havia informação de inteligência de que Suleimani preparava ataques contra alvos americanos, não ganhou credibilidade desde que foi esboçada. Em entrevista à Fox News na sexta-feira, o presidente respondeu assim a uma pergunta sobre o tema: "Posso revelar que acredito que provavelmente teriam sido quatro embaixadas". Não é uma frase muito assertiva. 

Congressistas que receberam um briefing confidencial na quarta-feira afirmaram não ter sido apresentada nenhuma informação sobre isso. 

O Departamento de Estado não respondeu a perguntas do Washington Post sobre se as embaixadas americanas em Bagdá e em outras capitais foram alertadas de que poderiam ser alvos de ataques. Um funcionário da presidência e outro da área de defesa disseram que tinham conhecimento apenas de informações de inteligência vagas e não mencionaram ataques a várias embaixadas. 

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Alguns analistas especulam que Trump possa ter armado uma cilada ao pedir ao Iraque a intermediação de Suleimani, para atrair o general a Bagdá e facilitar seu assassinato. 

É possível, mas improvável. As Forças Armadas americanas não precisavam disso para localizar Suleimani, e essa traição teria alto custo nas relações dos EUA com o Iraque.

Fontes próximas a Trump informam que o presidente ficou muito perturbado com a invasão da embaixada americana em Bagdá. O episódio certamente o lembrou do ataque contra o consulado dos EUA em Benghazi na fatídica data de 11 de setembro de 2012, que matou o embaixador Christopher Stevens e o encarregado de informação Sean Smith. 

Trump bateu muito duro em Hillary Clinton, então secretária de Estado, e sua adversária na campanha de 2016, por esse episódio. À pergunta sobre o que faria se isso acontecesse em seu governo, ele respondeu: "Isso não aconteceria no meu governo". Aconteceu em Bagdá, embora ninguém tenha ficado ferido. 

Pelo que conhecemos do temperamento do presidente americano, o mais provável é que a reação dele tenha ido num crescendo, do agradecimento e pedido de intermediação ao primeiro-ministro iraquiano à decisão de uma punição exemplar contra Suleimani e o comandante da Kataeb Hezbollah, Abu Mahdi al-Muhandis, que estava junto com ele.

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Os assessores de segurança nacional sempre apresentam aos presidentes várias opções, enviadas pelo Pentágono, numa situação de crise. Entre elas, costuma vir uma opção extrema, como o assassinato de um comandante, mas apenas para constar: os presidentes não as consideram seriamente. A ordem de Trump pegou os assessores e os militares de surpresa.

Pode ter sido uma decisão de impulso de Trump. Não teria sido a primeira.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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