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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|O ano da explicitação

Se tivesse de definir 2017 com uma palavra, escolheria "explicitação". No sentido de que dados importantes da realidade que não estavam visíveis se explicitaram em toda a sua crueza e concretude.

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Atualização:

Desse ponto de vista, 2017 começou em novembro de 2016, com a eleição de Donald Trump. E teve seu prenúncio cinco meses antes, com o plebiscito que decidiu pela saída britânica da União Europeia. Repare que as duas votações tiveram margens muito estreitas. A força de seu significado histórico não é quantitativa, mas qualitativa.

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Já se sabia que a evolução tecnológica e a derrubada das barreiras comerciais tornavam dispensável uma parcela importante da força de trabalho nas sociedades avançadas. Sobretudo empregados nas indústrias, que gozavam de prestígio sócio-econômico.

Até o Brexit e a eleição de Trump, o combate à globalização era pauta de ambientalistas, anarquistas, punks e black blocs, em manifestações violentamente reprimidas pela polícia, durante reuniões de cúpula. Com esses dois eventos, veio para o topo da agenda política nos EUA e na Europa.

O movimento de explicitação continuou nas eleições europeias ao longo de 2017, com o desempenho impressionante dos partidos nacional-populistas. Na Holanda, o Partido para a Liberdade ficou em segundo lugar, com 13% dos votos, e 20 das 150 cadeiras na Câmara dos Deputados. Marine Le Pen, da Frente Nacional, que tem vínculos históricos com o nazismo, passou para o segundo turno, e obteve 34% dos votos na França.

Com 13%, a Alternativa para a Alemanha se tornou o primeiro grupo ultranacionalista a ocupar cadeiras no Bundestag (94, no total de 709) no pós-Guerra. Depois de eleger 40 deputados (de um total de 183), o Partido da Liberdade da Áustria acaba de entrar para a coalizão de governo.

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O antigo desejo de autonomia na Catalunha havia sido frustrado em 2010 por iniciativa da direita nacionalista, no poder na Espanha, em ação do Partido Popular no Tribunal Constitucional. Por margem também apertada, evoluiu agora para um projeto de independência inviável.

Assim como a Turquia no ano anterior, a Venezuela explicitou o seu mergulho irreversível no autoritarismo, com a eleição fraudulenta da Assembleia Constituinte, desenhada para consagrar o domínio chavista. A Bolívia de Evo Morales segue o mesmo caminho, embora com uma gestão mais profissional da economia. No Equador, a prisão do vice-presidente Jorge Glas, acusado de suborno pela Odebrecht, consolida o racha da esquerda. O presidente Lenín Moreno se lança num voo solo, e é acusado de traição pelo ex-todo-poderoso Rafael Correa.

Argentina, Chile, Colômbia e Peru reforçam seus compromissos com a responsabilidade fiscal e as reformas liberais. O Paraguai se industrializa. O Uruguai é governado por uma esquerda moderada. As teses social-democratas voltam a florescer na América do Sul.

A Coreia do Norte assume a condição de potência nuclear, capaz de atingir os EUA. China e Índia explicitam sua disputa por influência na Ásia e, no médio prazo, no mundo. O mesmo acontece com Arábia Saudita e Irã, no plano regional.

O Irã reforça sua projeção sobre o Iraque, a Síria e o Líbano; a Arábia Saudita, sua liderança sobre o Golfo Pérsico, isolando o Catar, aliado dos iranianos. O Iêmen sofre com a guerra por procuração entre as duas potências regionais.

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A falta de apetite de Trump em atuar longe de seus focos de interesse abre espaço para a Rússia na antiga geografia da União Soviética e no Oriente Médio, que Vladimir Putin ocupa avidamente.

A explicitação dos interesses tornou o mundo mais dinâmico, imprevisível e diverso. Há mais riscos e oportunidades. Esse é o assunto do próximo domingo.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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