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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Por que não vemos a faixa de pedestre

Nesta manhã, quase fui atropelado, com a minha cadela, numa faixa de pedestre, em São Paulo. O pára-choque do carro chegou a bater no focinho dela. Gritei: "Faixa de pedestre, imbecil! Não está vendo, não?" Não me orgulho da minha explosão de ira. O motorista, de gravata, óculos, talvez 45 anos, desceu o vidro de sua Renault Duster nova e respondeu, com o olhar assustado: "Desculpe. Eu não tinha visto".

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Atualização:

Acredito, até porque já fiz isso, e imagino que você, também, se for um motorista brasileiro. E esse é o ponto. Só vemos o que é importante para nós. A faixa de pedestre representa o direito do mais frágil perante o mais forte. Ela é um símbolo das relações de poder. Um termômetro do quanto a lei, o direito, a gentileza se sobrepõem à força, em uma sociedade.

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Fiz reportagens em 63 países. Devo ter andado -- literalmente, cruzando as faixas de pedestre -- por uns 70. Há muito tempo que comparo a atitude dos motoristas frente aos pedestres com os outros aspectos dos países: respeito à lei, democracia, tolerância, aceitação das diferenças.

Assim como o índice Big Mac da Economist mede o quanto uma moeda local está desvalorizada ou sobrevalorizada frente ao dólar, eu poderia criar um índice faixa de pedestre, para medir o quanto os valores democráticos estão enraizados em uma sociedade.

Na Alemanha, por exemplo, não é preciso faixa, embora haja muitas, claro: sobretudo nas cidades menores, muitos motoristas vêem o pedestre na beira da calçada, percebem que ele quer atravessar e param.

Observando isso nos países mais organizados, e o contrário nos mais toscos, sempre me perguntei: será que os brasileiros têm mais pressa, são mais ocupados do que os alemães, ingleses, franceses, japoneses? Óbvio que não. Eles também têm horários, e aliás são mais pontuais do que nós. Apenas já estão subliminarmente incluídas no cálculo do trajeto as paradas nas faixas de pedestre. Talvez eles saiam cinco minutos mais cedo. É um tempo investido no reconhecimento de que o mais forte deve proteger e não atropelar o mais frágil, para que todos vivamos melhor.

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O que mais nossos olhos brasileiros não vêem?

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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