O repórter Nico Hines criou um perfil no aplicativo de relacionamentos gay Grindr. Na reportagem publicada nesta quinta-feira, ele contou que, em uma hora, recebeu convites de três homens -- mais do que em aplicativos para heterossexuais, embora o jornalista seja casado com uma mulher e pai de dois filhos. No texto, Hines não revelou os nomes dos atletas que mantêm perfis no aplicativo e estão à procura de parceiros na Rio 2016, mas descreveu detalhes deles, de forma que podiam ser identificados. Em um dos casos, o repórter observou que o atleta provinha de um país "notoriamente homofóbico". Ele publicou ainda fotos de cenas íntimas e uma troca de mensagens explícitas com um dos usuários.
A matéria provocou condenações entre militantes. Sarah Kate Elis, presidente da Glaad, uma ONG americana que trabalha com o tema do homossexualismo na mídia, tuitou: "Matéria impensada de @thedailybeast coloca atletas LGBT em perigo. Deveria ser removida e substituída por uma reportagem de verdade sobre a violência enfrentada pelos LGBT".
O fato de Hines ser heterossexual agravou o repúdio. Amini Fonua, nadador de Tonga e homossexual assumido, tuitou: "Ainda é ilegal ser gay em Tonga, e embora eu seja forte o suficiente para ser eu mesmo diante do mundo, nem todo mundo é. Respeitem isso. Imaginem o único espaço no qual você pode se sentir seguro, você pode ser você mesmo, arruinado por um heterossexual que acha que é tudo uma brincadeira? Heterossexual algum jamais saberá a dor de revelar sua verdade. Tirar isso é simplesmente... Não consigo. Literalmente me faz ir às lágrimas".
Inicialmente, diante das reações, os editores retiraram os detalhes do texto e acrescentaram uma nota negando sua intenção de expor os atletas. Isso não aplacou a indignação nas redes sociais, e o site retirou a matéria inteira do ar na mesma noite. Uma nova nota foi publicada, dizendo que The Daily Beast não tinha a intenção de "prejudicar ou degradar membros da comunidade LGBT, mas intenção não importa, mas, sim, o impacto".
Em conversas com pessoas transgênero como Maria Clara, estudante de pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco, e Alice Schimit, aluna de medicina da USP, com as quais estou trabalhando em um projeto de documentário, aprendi que a forma como heterossexuais tratam do tema pode ser ofensiva e desrespeitosa para essas pessoas, mesmo quando não é essa a intenção. É um mundo que os jornalistas devem tatear com cuidado e, de preferência, com assessoria de quem pertence a ele.