Lúcia Guimarães
02 de maio de 2015 | 18h15
Ouça o De Olho No Mundo on line aqui ou ao vivo na Rádio Estadão, sábado às 19h, domingo às 20 h, 92,9 FM com participação de Roxane Ré, Andrei Netto, Jamil Chade e Lúcia Guimarães.
Abrimos o programa deste fim de semana com o drama do Nepal após o terremoto que já fez mais de 6 mil mortos. A ONU faz apelos para doações internacionais mas o cálculo de US$ 415 milhões se refere apenas à assistência imediata e não a esforços de reconstrução. Jamil Chade lembra que a tragédia destaca também uma rivalidade geopolítica entre a Índia e a China, que se apressam a protagonizar esforços de socorro. O Nepal é um estado-tampão entre os dois países e rico em água, o recurso natural precioso para os dois vizinhos rivais. Lembramos que, cinco anos após o pior terremoto deste século, com 316 mil mortos, o Haiti continua enfrentando problemas econômicos e políticos apesar do extraordinário esforço coordenado de ajuda internacional. Andrei Netto lembra que, na ocasião do terremoto haitiano, em 2010, o então presidente francês Nicholas Sarkozy falava em “erradicar” a miséria no país mais pobre do hemisfério ocidental.
China e Estados Unidos – como está a disputa pela liderança global?
A presidência de Barack Obama, como nenhuma outra, exigiu uma interação com uma China mais assertiva no cenário global. A criação do Banco de Desenvolvimento da China e a adesão de inúmeros aliados norte-americanos, para surpresa de Washington, está sendo descrita por alguns, como o momento em que os Estados Unidos deixaram de subscrever o sistema financeiro internacional. Jamil Chade argumenta que a China apenas formalizou, no Banco de Desenvolvimento, uma relação já em curso em países como os africanos, em que há um troca de investimentos por amplo acesso a recursos naturais. Andrei Netto comenta que o banco chinês representa uma quebra do monopólio norte-americano e europeu sobre os mecanismos de financiamento internacionais mas também aumenta o “soft power” chinês no mundo. Um novo livro do acadêmico que cunhou a expressão soft power considera a transição mais complexa.
Em Is The American Century Over? (“Acabou o Século Americano?”), Joseph Nye afirma que a resposta, com ressalvas, é “não.” Ele propõe a distinção entre o tamanho de uma economia – o PIB chinês está fadado a superar o americano – e o poder de influência. O quanto um país é fonte de inspiração para outros? Entre os números que Nye usa para argumentar: 46% das 500 maiores corporações transnacionais são norte-americanas. Entre as 25 marcas globais mais fortes, 19 são dos Estados Unidos.
Pena de Morte
A execução do brasileiro Rodrigo Goularte coincide com um crescente debate sobre a pena de morte nos Estados Unidos. A ONU acusou o governo de Jakarta de incoerência na aplicação da pena de morte ao brasileiro, como informa Jamil Chade, que relata também a conversa que um capelão irlandês teve com Goulart antes da execução. Andrei Netto conta que um condenado francês foi poupado da execução depois de intensa pressão diplomática da França e questiona a ação diplomática do Brasil.
Na última semana, a Suprema Corte norte-americana começou a examinar o uso do coquetel de drogas que compõem injeções letais em condenados à morte. Prisioneiros no corredor da morte de Oklahoma levaram o caso ao tribunal superior e argumentam que as drogas não “produzem estado inconsciente de coma” e infringem sofrimento desumano. O pano de fundo da discussão é a sobrevivência da pena de morte, diante da crescente recusa por laboratórios em fornecer as drogas. Atualmente, todos os 32 estados norte-americanos que aplicam a pena de morte usam injeção letal mas, diante da escassez das drogas, Utah aprovou a alternativa do fuzilamento.
Baltimore
Nosso programa foi gravado antes do anúncio que surpreendeu os Estados Unidos, no caso da morte de Freddie Gray, sob custódia da polícia de Baltimore. A promotora pública de Baltimore, Marilyn Mosby, indiciou seis policiais da cidade pela morte do jovem negro, de 25 anos, depois de uma detenção aparentemente rotineira e, segundo a promotora, injustificada.
Gray morreu no dia 19 de abril, de uma ruptura na espinha, uma semana depois de ser transportado num camburão, sob protestos de que precisava de assistência médica. A morte provocou distúrbios violentos, o governador de Maryland decretou estado de emergência, convocou a Guarda Nacional, a prefeitura de Baltimore decretou toque de recolher e o caso inspirou manifestações em várias cidades americanas.
Bernie Sanders
A outra notícia política nos Estados Unidos foi a candidatura a presidente do único membro socialista-democrata do Congresso. O senador Bernard Sanders, natural do Brooklyn nova-iorquino, mas representante do estado de Vermont, lança uma campanha descrita por alguns como quixotesca, mas que destaca o papel do debate sobre a desigualdade na política norte-americana. Ele é o mais antigo membro independente – não democrata ou republicano – do Congresso, mas vai concorrer pelo Partido Democrata, desafiando a candidatura Hillary Clinton, criticada por ser apresentada ao eleitor como uma “coroação.” Sanders deve colocar na berlinda a questão do financiamento privado das campanhas políticas nos Estados Unidos.
O De Olho No Mundo se despede lembrando Orson Welles, cujo centenário é comemorado no dia 6 de maio. Depois do sucesso de Cidadão Kane, o jovem Orson Welles viajou ao Brasil para filmar em 1942, e perdeu o controle sobre o filme que poderia ter sido sua obra prima, The Magnificent Ambersons.