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VISÃO GLOBAL: Armemos agora os rebeldes sírios

Por João Coscelli
Atualização:

As coisas vão piorar na Síria antes de melhorar, mas a mulher de Assad já começou a comprar imóveis em Londres: vamos obrigá-la a habitá-los

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POR ROGER COHEN, DO NEW YORK TIMES*

Eis aqui algumas verdades a respeito da Síria. As coisas vão piorar antes de começar a melhorar. Ninguém pode obrigar esse gênio a voltar para dentro da lâmpada. Estamos diante da mãe de todos os conflitos indiretos. O inescrupuloso regime Assad está acabado, resta apenas saber quando será seu último suspiro.

Os países tomaram rumos diferentes na sua trajetória da tirania à liberdade. Quando o comunismo caiu, alguns planaram do império soviético para o Ocidente enquanto outros agonizaram. A Iugoslávia - uma ideia maravilhosa que nunca funcionou - é um dos muitos países citados como possível exemplo do destino sangrento que aguarda a Síria; outros exemplos incluem Líbano e Iraque.

Os ingredientes são conhecidos: a Síria é um Estado multiétnico governado com mão de ferro por uma minoria - os alauitas (quase xiitas) - e inclui minorias cristãs e drusas, entre outras, que juntas correspondem a aproximadamente um quarto da população. A maioria é sunita. Quando a mão de ferro é afastada desses países, a liberdade é mais imediatamente vista como um libertar-se uns dos outros, não como a oportunidade de unir-se no processo de concessões mútuas para a formação de uma nova ordem liberal.

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Assim tem sido há um ano na Síria de Bashar Assad, que, aprendendo as lições do pai, buscou suprimir por meio de massacres maciços um amplo levante daqueles que almejam libertar-se do controle da família. Assad se formou médico! Nenhum doutor tripudiou tanto o juramento de Hipócrates.

Os Assad são uma máfia, uma minoria (a família) dentro de outra minoria (os alauitas) dentro de outra minoria (a polícia secreta Mukhabarat). Eles cooptaram os demais - principalmente a classe dos comerciantes sunitas - por meio de uma estabilidade imposta. Essencialmente, como todos os tiranos derrubados durante a Primavera Árabe, governaram o país como se ele fosse o seu feudo particular, um brinquedo a ser legado de pai para filho, beneficiando primos e capangas.

Bem, tudo isso acabou. Alepo não é a nova Marrakesh, afinal. Aqueles atraentes cartazes turísticos nos ônibus londrinos foram guardados. Os árabes se cansaram de seus poderosos chefões.

Eu disse que as coisas vão piorar antes de começar a melhorar. O pacto social sírio foi quebrado. Um novo pacto sob o mando dos Assad é inconcebível. Há interesses maiores envolvidos. A teocracia xiita iraniana, cada vez mais isolada, está defendendo o regime contra um Exército Livre da Síria fundado em parte por uma teocracia sunita saudita: essa é a guerra indireta.

Vladimir Putin, temendo eventuais primaveras russas no seu próprio quintal, optou com o cinismo habitual por defender um antigo aliado contra as demandas americanas, que exigem a saída de Assad, objetivo até agora não perseguido com coerência pelo governo Obama. Israel conhece Assad, que ajuda a armar o Hezbollah, mas é também um inimigo previsível e, em geral, passivo. Mas Israel não imagina o que pode haver além de um Estado policial de hábitos previsíveis.

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Em resumo, a Síria é perigosa. Mas isso não é razão para passividade ou incoerência. Como mostrou a guerra da Bósnia, a base de qualquer acordo deve ser uma igualdade aproximada de forças. Assim, proponho que sejam intensificados os esforços - que já ocorrem discretamente - no sentido de entregar armas ao Exército Livre da Síria. Essas forças devem ser treinadas, assim como foram treinados os rebeldes na Líbia.

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Chegou a hora do acerto de contas: os EUA alertaram Assad para o perigo de permitir que combatentes da Al-Qaeda entrassem no Iraque vindos da Síria. Agora, material bélico e forças especiais com a capacidade de treinar um Exército improvisado podem vir do Iraque - e de outros países vizinhos - para a Síria. Isso deveria ser um esforço conjunto dos países árabes e do Ocidente.

Ao mesmo tempo, devemos organizar uma grande operação humanitária coordenada pelas Nações Unidas centrada em enclaves de refugiados na Turquia, na Jordânia e em outros países, estabelecendo onde for possível corredores seguros conduzindo a esses refúgios. Temos de pressionar Rússia e China para que mudem seus votos: esses países não defenderão Assad se essa atitude passar a representar um risco para outros de seus grandes interesses nos EUA, no Golfo Pérsico e na Europa.

Já podemos ouvir as manifestações de indignação: se armarmos os oponentes de Assad, conseguiremos apenas exacerbar os temores das minorias sírias e uni-las, garantindo um maior derramamento de sangue e prejudicando os esforços diplomáticos atualmente liderados por Kofi Annan, um astuto e qualificado negociador da paz. Corremos o risco de transformar uma guerra indireta numa conflagração indireta. A esta altura, não há para a Síria nenhuma política que não envolva riscos importantes. O único cessar-fogo que consigo imaginar tem como base um equilíbrio aproximado das forças, caso contrário um acordo desse tipo não passará de um pedaço efêmero de papel. Para tanto, o Exército Livre da Síria precisa ser armado.

No fim, esse rumo vai reforçar - e não prejudicar - a diplomacia de Annan, possivelmente abrindo caminho para o tipo de transição sugerida pela Liga Árabe. Em troca, a dividida oposição síria precisa apresentar um firme compromisso com o respeito aos direitos das minorias. O tratamento dispensado a elas é um dos principais testes enfrentados pela Primavera Árabe, assim como a questão das mulheres.

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Se Assad cair, o Irã se verá muito enfraquecido. O elo estabelecido por Teerã com o Hezbollah desaparecerá. Não há muito o que escolher entre engendrar a queda de Assad e bombardear as instalações nucleares iranianas: a primeira opção é inteligente e factível; a segunda não passa de tolice.

A mulher de Assad tem comprado imóveis em Londres: vamos obrigá-la a habitá-los e libertar o povo sírio.

*É COLUNISTA

TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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