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VISÃO GLOBAL - Conflito sírio, um risco para a região

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Por João Coscelli
Atualização:

Se a responsabilidade de proteger civis é um elemento legítimo do direito internacional, por que esta lei valeria para a Líbia, mas não para o da Síria?

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STEVEN ERLANGER - THE NEW YORK TIMES

Passado mais de um ano desde o seu início, o despertar árabe teve diferentes estações. Após uma primavera que abalou o mundo, seguida por verão, outono e inverno, os diferentes países - Tunísia, Egito, Líbia, Iêmen - derrubaram um a um seus autocratas, derramando diferentes quantidades de sangue. Alguns governos sufocaram as revoltas, como ocorreu no Bahrein. Outros experimentaram reformas modestas, como o Marrocos, ou permaneceram inertes fora do palco principal - caso da Argélia e Arábia Saudita.

A primavera está agora voltando, e temos a situação na Síria. Enquanto os mortos se acumulam e a diplomacia fracassa em conter a violência, torna-se claro que esse conflito é único, difícil de prever e extremamente significativo para o mundo.

Diferentemente da Líbia, a Síria é um país de importância estratégica, localizado no centro de rivalidades étnicas, religiosas e regionais que trazem o potencial de transformar o local num redemoinho capaz de arrastar para o seu centro potências maiores e menores da região e de outras partes do mundo.

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"A Síria é talvez o único país onde a Primavera Árabe tem o potencial de alterar a composição geoestratégica da região", diz Olivier Roy, historiador francês que estuda o Oriente Médio. Como contraexemplo, ele indica Egito e Tunísia, onde os novos líderes parecem estar conservando as alianças e posições geopolíticas anteriores. "Na Síria, se o regime for derrubado, teremos uma paisagem absolutamente nova", afirma.

Muitos consideram o conflito outra revolução inevitável que acabará depondo o presidente Bashar Assad. Mas, nos meses transcorridos desde que os sírios decidiram lutar contra Assad - que respondeu mobilizando o Exército contra eles -, o país já se converteu no cenário de uma guerra indireta entre potências da região e de outras partes do mundo.

Durante décadas, a Síria foi o ponto central da velha ordem da segurança no Oriente Médio. O país possibilitou que russos e iranianos expandissem sua influência enquanto sucessivos governos da família Assad proporcionavam estabilidade aos olhos dos EUA e uma fronteira segura para Israel, apesar do apoio concedido ao Hezbollah no Líbano e ao Hamas nos territórios palestinos.

A incipiente guerra civil na Síria derrubou esse paradigma, colocando russos e americanos - e seus respectivos aliados - em lados opostos. Trata-se de um conflito que intensificou muito as tensões entre xiitas e sunitas, e entre o Irã e a Arábia Saudita e os países do Golfo Pérsico. Uma situação explosiva que deixa Israel com a esperança de que um inimigo cairá, mas também com uma aguda preocupação em relação a quem irá assumir o controle do arsenal dele.

Para a Rússia, a queda de Assad - seu aliado e comprador de suas armas - reduziria a influência do país na região. Se Assad cair, o novo governo não poderá ignorar o apoio concedido pelos russos a ele, que incluiu um constante fornecimento de armas.

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Árabes de toda a região, que estão exigindo seus direitos e liberdades, também podem se mostrar ressentidos desse apoio. "A essa altura, não adianta nem mesmo mudar de lado", diz Dmitri Gorenburg, estudioso da Rússia a serviço do Centro de Análises Navais, grupo de pesquisas financiado pelo governo americano com sede na Virgínia.

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Para os EUA, o conflito representa um conjunto de riscos e contradições que obrigou Washington a assumir uma posição muito mais cautelosa.

A repressão desencadeada por Assad apresentou ao mundo um difícil dilema moral envolvendo a intervenção. Se a responsabilidade de proteger civis é um novo elemento legítimo do direito internacional, por que essa lei valeria para o caso da Líbia, mas não para o da Síria? Será que a democracia e a igualdade de direitos defendidas pelo Ocidente vão sofrer as consequências, ajudando os radicais islâmicos a chegar ao poder?

Fator Irã. Para Washington, a Europa e os sunitas do Golfo Pérsico e da Arábia Saudita, o destino de Assad é tão importante quanto o seu impacto sobre o Irã. A Síria é um dos aliados mais próximos da república islâmica. Os sírios apoiaram quase sozinhos o Irã na sua guerra contra o Iraque nos anos 80. A Síria é o principal corredor de acesso por meio do qual Hezbollah, Hamas e Jihad Islâmica recebem ajuda e armas do Irã. A queda de Assad representaria uma grande derrota para os iranianos que, por esse motivo, fornecem dinheiro, armas e conselhos ao governo dele.

Os EUA e a Europa isolaram o Irã econômica e diplomaticamente - com o tênue apoio de russos e chineses - na tentativa de retardar as tentativas de Teerã no sentido de construir um artefato nuclear. Um novo governo sírio poderia representar para os iranianos um golpe mais duro do que quaisquer sanções já aprovadas pelo Ocidente. Outro possível resultado seria o retorno de protestos democráticos em Teerã.

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Por enquanto, Washington não pretende armar grupos da oposição síria. Os EUA estão também excluindo a possibilidade de uma intervenção militar direta. Depois de uma década de guerra no Iraque e no Afeganistão, e de uma intervenção limitada na Líbia criticada pelos republicanos, o presidente Barack Obama não deseja novas aventuras militares num ano eleitoral. A opinião é partilhada pelo Pentágono, que pensa especialmente no competente sistema sírio de defesa antiaérea, fornecido pela Rússia.

Outro fator considerado importante é a natureza incoerente e pouco clara da oposição armada a Assad, e representantes americanos destacam que o Exército de Libertação Sírio, formado por oficiais exilados do exército sírio, por desertores e milicianos, não controla territórios importantes na Síria por meio dos quais o fornecimento de armas poderia ser estabelecido.

Há provas de que radicais sunitas estariam voltando suas atenções para a Síria, com armas e combatentes atravessando a fronteira com o Iraque e os líderes da Al-Qaeda falando numa jihad na Síria. Mas há também motivo para ceticismo, pois a Al-Qaeda se tornou uma espécie de fantasma citado por quase todos.

A questão central é como acelerar o colapso do governo Assad, visto por muitos como inevitável, sem com isso mergulhar a sociedade numa guerra civil, afirma Volker Perthes, administrador do Centro Alemão para Questões Internacionais e de Segurança. "Armar os rebeldes e provocar a eclosão de uma guerra civil é algo que vai conferir mais tempo ao regime", diz Perthes. "O que Assad quer é uma guerra de verdade, pois isso permitiria a ele superar a relutância em combater da ampla maioria nas Forças Armadas."

TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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