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ANÁLISE-Em discurso, Obama tenta aplacar ira dos americanos

Por STEVE HOLLAND
Atualização:

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, passou um recado para os norte-americanos irritados com o desemprego e céticos quanto ao rumo da economia dos EUA: estou ouvindo vocês. Sob forte pressão para mudar o rumo de um governo iniciado há um ano, e até agora voltado sem sucesso para aprovar a reforma da saúde, Obama não teve escolha senão adotar uma mudança tática. "Os empregos devem ser nosso foco número 1 em 2010", disse Obama em seu discurso do Estado da União, na noite de quarta-feira (madrugada de quinta no Brasil), no plenário da Câmara dos Deputados. Depois de tomar posse sob expectativa de promover grandes mudanças, Obama agora enfrenta a ira da população contra as hesitações do governo, a falta de empregos, a demora na recuperação econômica, a ajuda aos bancos e os gastos públicos. As pesquisas indicam que a maioria vê o país na direção errada. Buscando recuperar a confiança perdida, Obama assumiu um tom contrito, admitindo que houve percalços políticos e que ele não soube explicar adequadamente a complicada proposta de legislação para a saúde. Mas, seguindo a abordagem populista que ele adotou ultimamente, não pediu desculpas por tentar reformar o setor, o que segundo ele é mais necessário do que nunca, e prometeu "não desistir" de ajudar a classe média. Na verdade, ele tratou de distribuir as culpas, dizendo que vícios partidários contaminam Washington, alimentados por republicanos, democratas e por uma imprensa complacente. Novamente ele apontou o dedo para seu antecessor George W. Bush - mas sem citá-lo nominalmente - pela crise econômica que herdou. Esse trecho atraiu críticas dos que acreditam que Obama contribuiu com os problemas ao promover um pacote de estímulo econômico de 787 bilhões de dólares, que agravou o déficit público. "Acho que foi lamentável", disse à Reuters o senador John McCain, derrotado por Obama na eleição presidencial de 2008. "Ele disse: 'Não estou aqui para olhar para trás', e então em várias ocasiões culpou Bush. Fiquei desapontado." SEGUNDA CHANCE Há apenas duas semanas, Obama estava prestes a obter a aprovação da reforma da saúde, e planejava celebrar isso no discurso. Mas no último dia 19 o republicano Scott Brown obteve uma surpreendente vitória na eleição suplementar para o Senado em Massachusetts, privando os democratas da maioria qualificada de 60 votos na Casa, e dando aos republicanos uma bancada suficiente para obstruir projetos do governo. Subitamente, os democratas viraram um partido sob cerco, ameaçado de sofrer uma derrota esmagadora na eleição parlamentar de novembro. Obama não recuou na sua ambiciosa agenda doméstica, mas se esmerou em deixá-la em segundo plano, atrás da criação de empregos. "As pessoas estão machucadas", disse ele, ao enfatizar a pertinência de um projeto multibilionário para a criação de empregos, junto com incentivos fiscais de 30 bilhões de dólares para pequenas empresas e um congelamento de três anos nos gastos públicos internos. Mas será que os eleitores independentes, que ajudaram a eleger governadores republicanos na Virginia e em Nova Jersey, em novembro, e Brown neste mês, darão uma segunda chance a Obama? O economista William Galston, do Instituto Brookings, acha possível, citando a ênfase de Obama na contenção de gastos e do déficit. "Acho que os independentes vão continuar tendo dúvidas sobre o rumo do governo, mas acho que pelo menos alguns deles estarão pelo menos dispostos a lhe dar uma segunda chance", afirmou. Obama pediu aos congressistas que voltem a tentar a reforma da saúde "quando a temperatura baixar", e lembrou que os democratas ainda têm maioria no Congresso e "não devem sair correndo". Mas ele não apresentou propostas sobre como superar o impasse regimental em torno da reforma, seja lutando pela ambiciosa ideia original, ou contentando-se com uma versão mais modesta. "Houve muitas mensagens ambíguas nesse longuíssimo discurso", disse Larry Sabato, professor de ciência política da Universidade da Virginia.. Obama também fez concessões a respeito da política climática, outra prioridade sua em 2009. Admitiu que será difícil aprovar uma lei sobre esse tema em ano eleitoral, e defendeu medidas para uma maior eficiência energética. Mas ele não citou um item que está no âmago do debate, a proposta de limitar as emissões de carbono e criar um mercado de créditos para os poluentes - algo que os republicanos dizem que provavelmente resultará em impostos mais elevados e contas de luz mais caras.

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