Estilo de Chávez desestimula possíveis líderes e deixa revolução sem quadros

Presidente venezuelano, que antes de partir para a cirurgia em Havana nomeou Maduro seu sucessor e fez apelo a partidários bolivarianos por unidade, sempre tratou de evitar surgimento de nomes que pudessem ameaçar ou questionar sua liderança

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Por Roberto Lameirinhas
Atualização:

ENVIADO ESPECIAL / CARACAS - Paranoico em relação às traições e centralizador, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, mantém o poder há 14 anos cuidando para que nenhum outro líder lhe faça sombra no comando de seu projeto bolivariano. Em meio aos expurgos e às condenações veladas ao ostracismo, o chavismo, que agrega diferentes grupos de militantes, busca uma figura que possa substituir o carismático líder enfermo.

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Antes de partir para Cuba há mais de um mês, onde se submeteu à quarta cirurgia para combater um câncer na região pélvica, Chávez nomeou seu chanceler e vice-presidente, Nicolás Maduro, como herdeiro político. Mas membros da oposição asseguram que a escolha aprofundou divisões entre grupos antagônicos do movimento bolivariano – descontentando principalmente o grupo militar, controlado pelo presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, que também esperava esse papel.

“As divergências no interior do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) explicam a ênfase do discurso de Chávez, em 8 de dezembro, pedindo a seus partidário ‘unidade, unidade e unidade’”, disse ao Estado Anibal Rodríguez, analista da Universidade Central.

“Até agora, esse pedido tem sido atendido, com todos os chavistas apresentando um discurso uniforme, seja em relação à saúde de Chávez, seja em relação à estratégia adotada na semana passada para o contorcionismo legal que permitiu a continuidade do governo, com todos os chavistas usando até as mesmas palavras em declarações públicas.”

Ao longo dos anos, porém, Chávez mesmo se encarregou de dividir facções internas para evitar o fortalecimento de seus líderes. Quando se tornavam muito populares ou muito influentes internamente, acabavam amargando o ostracismo.

“O processo de expurgo de figuras da primeira geração do chavismo começou com a saída de José Vicente Rangel (então vice-presidente desde 2002), em 2007, quando Chávez decidiu aprofundar o caráter socialista da revolução bolivariana”, disse Rodríguez.

“Ao contrário da velha-guarda, os líderes da chamada nova geração, como o ex-vice-presidente e ex-dirigente estudantil, Elías Jaua, eram muito menos resistentes às decisões do presidente e sempre se restringiram a cumprir as ordens. A mensagem era a de que Chávez nunca abriu mão de talhar a revolução à sua imagem e semelhança.”

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“A autonomia nos círculos chavistas é limitada e a hierarquia, militar. Não por acaso, militares ocupam os postos-chave do governo”, afirma, por seu lado, a acadêmica María Abreu, da Universidade Andrés Bello.

E, dos quartéis, Chávez exige lealdade absoluta. Em 2010, durante uma cerimônia militar, o presidente deixou claro o que esperava das tropas: “A disciplina é fundamental para o avanço da revolução e essa revolução tem um líder”, discursou. “Não admitirei que minha liderança seja contestada, porque eu sou o povo.”

Outra razão para os expurgos é o fato de os personagens de 14 anos de poder serem vistos pela população como as principais figuras do que a oposição qualifica de “boliburguesia” – os novos burgueses bolivarianos que estariam se aproveitando do poder para enriquecer. Em dezembro de 2010, Jesse Chacón, jovem tenente que tomou os estúdios da emissora Venezuelana de Televisão (VTV) durante a tentativa golpista de 1992, renunciou ao Ministério de Ciência e Tecnologia após a Justiça abrir um inquérito contra seu irmão, Arné Chacón, acusado de fraude bancária.

O caso do general Raúl Baduel talvez seja o melhor símbolo do estilo Chávez de liderança. Chefe da tropa que cercou o Palácio de Miraflores para garantir o retorno de Chávez após a fracassada tentativa de golpe de 2002, foi preso acusado de corrupção após ganhar popularidade.

PARA ENTENDER As várias faces do chavismo

A VELHA GUARDA MILITAR Diosdado Cabello Militar que participou da ação de 1992, foi crucial na resistência ao golpe sofrido por Chávez em 2002. Chegou a assumir a presidência da Venezuela por algumas horas, após o fracasso do golpe de Estado.

Jesse Chacón Esteve à frente dos Ministérios de Comunicação e do Interior e Justiça. Renunciou em 2009 após seu irmão ser preso por acusações de fraude bancária.

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Francisco Árias Cárdenas Militar preso com Chávez, em 1992, voltou-se contra ele em 1999 e disputou a eleição de 2000. Em 2005, se reconciliou com o chavismo. Foi embaixador na ONU e, em dezembro, venceu a eleição para o governo do Estado de Zulia.

OS IDEÓLOGOS José Vicente Rangel Advogado e jornalista, foi chanceler, ministro da Defesa e vice-presidente. Foi o primeiro chavista de peso afastado do governo, em 2007.

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Alí Rodríguez Especializado em petróleo, foi presidente da PDVSA, chanceler e secretário-geral da Opep. Continua no governo, mas perdeu o poderoso Ministério de Economia e assumiu a pasta de Energia Elétrica.

Aristóbolo Istúriz Professor universitário, foi deputado e prefeito de Libertador, município da Grande Caracas. Em dezembro, foi eleito governador do Estado de Anzoátegui.

OS PARENTES Jorge Arreazza Ministro de Ciência e Tecnologia e genro de Chávez desde 2007. Casado com Maria Virginia, filha mais velha do líder bolivariano, viu seu prestígio crescer em Miraflores nos últimos meses. Acompanha Chávez em Havana.

Adán Chávez Irmão mais velho de Chávez e seguidor do movimento desde seu início. Foi governador de Barinas.

OS POLÍTICOS Tarek William Saab Advogado e ex-deputado. Foi um dos principais articuladores políticos de Chávez e governador do Estado de Anzoátegui.

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William Lara Jornalista, presidente da Assembleia Constituinte que redigiu a atual Carta. Foi demitido do cargo de ministro da informação em 2006, segundo jornais, porque a TV internacional com sede em Caracas, a Telesur, divulgou ilegalmente resultados de boca de urna das eleições presidenciais. Ele morreu num acidente de carro em 2011. 

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