'Estratégia contra paras e Farc fortalece tráfico na Colômbia'

Para analista colombiano, política de desmobilização de paramilitares, associada à militarização do combate às guerrilhas, não traz solução para o narcotráfico

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Por André Mascarenhas
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A morte do guerrilheiro colombiano Tomás Medina Caracas, anunciada nesta segunda-feira, 3, pelo Exército da Colômbia, voltou a trazer à tona a associação quase direta entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o narcotráfico. Veja TambémChefe das Farc ligado a Beira-Mar é morto na Colômbia Mas não é apenas com os guerrilheiros marxistas que o tráfico de drogas alimenta uma forte relação na Colômbia. Em entrevista por telefone ao portal estadao.com.br, o professor do departamento da Universidade Nacional da Colômbia Óscar Mejía Quintana lembra que desde a década de 1980, a atividade estende seus braços para amplos setores da política do país, tendo mais tarde conquistado também as forças paramilitares, criadas exatamente para conter a expansão das guerrilhas. Nesse sentido, Quintana tece duas críticas à estratégias de combate ao narcotráfico do governo colombiano. De um lado, ele lembra que a desmobilização proposta às organizações paramilitares  praticamente "indulta" os membros dessas milícias, abrindo espaço para a atuação política desses grupos. Por outro, o professor afirma que ao dar aos guerrilheiros o status de narcotraficantes, o governo ignora os problemas que alimentam essa complexa relação. Sofrendo com a falta de alternativas econômicas, amplos setores da população colombiana têm no cultivo da coca sua única saída econômica. A entrevista: O senhor costuma fazer uma crítica à maneira como o governo combate as guerrilhas colombianas, igualando-as ao narcotráfico e não levando em consideração as questões sociais envolvidas... Sim, embora a guerrilha também tenha desenvolvido uma relação muito próxima com o narcotráfico, ela também segue muito vinculada a setores sociais cuja condição econômica quase os obrigou a se tornarem produtores de coca. Por isso, orientar-se só militarmente, e não socialmente, através do Plano Colômbia, não resolve o problema de base. Que é um problema de amplos setores da população, que não tem outro meio de subsistência. Há pouco tempo, a revista Don Juan mostrou que na zona amazônica colombiana há uma economia de troca. Nem sequer utilizam moeda. Um almoço vale algumas gramas de coca. Uma roupa vale outro tanto. Ou seja, o único produto que essas pessoas têm para sobreviver é a folha de coca. Portanto é um problema social, mais do que militar. Além das Farc, que outros setores da sociedade colombiana sofrem distorções provocadas pela dinâmica do narcotráfico? Sobretudo no sul da Colômbia, há uma relação com os setores cocaleiros, camponeses e outros setores muito pobres. Mas a distorção que se sentiu a partir dos anos 80 se dá principalmente na política. A partir desse período, vamos encontrar uma série de personagens, inclusive narcotraficantes, que começam a ser eleitos para o Congresso. Posteriormente, há políticos que vão ter suas campanhas financiadas pelo narcotráfico, assim como os paramilitares. E por fim, há uma penetração nas administrações locais, nas prefeituras, principalmente na costa do Caribe. E a institucionalização do narcotráfico? Há influência dos narcotraficantes na criação de leis? Além da influência política, se comprovou que houve na Constituição de 1991 a influência dos narcotraficantes para tornar inconstitucional a extradição de narcotraficantes aos Estados Unidos ou a qualquer país. Mas nos últimos seis anos, também entrou em evidência, particularmente em meio ao processo de paz com os paramilitares, a influência dos paramilitares no Congresso colombiano. De fato, um dos principais líderes dos paramilitares, (Salvatore) Mancuso, expressou abertamente que tinha 35% de controle do Congresso em 2002. A investigação aberta por esse caso já vinculou cerca de 50 a 60 parlamentares do Senado e da Câmara dos Representantes (deputados). Desta forma, há uma influência direta dos paramilitares - muitos deles narcotraficantes. Por isso que a primeira lei criada para regulamentar o processo de pacificação com os paramilitares, a Lei de Justiça e Paz, foi muito favorável aos paramilitares. Praticamente uma lei de indulto. Tanto é que, quando chegou à Corte Constitucional, a lei foi corrigida para que não fosse tão abertamente a favor dos paramilitares. Essa relação entre paramilitares e narcotraficantes, de um lado, e guerrilheiros e narcotraficantes, do outro, fazem a solução para a questão do narcotráfico na Colômbia um problema complexo. O senhor acredita que as políticas atuais do governo colombiano são eficientes? Essas políticas são levadas em duas frentes. Na contra a guerrilha, é uma frente onde não há negociação, já que a guerrilha é considerada terrorista e narcotraficante, e portanto trata-se de uma estratégia militar. Por outro lado, frente aos paramilitares narcotraficantes, há uma estratégia de pacificação e negociação muito mais flexível. O que se observa nesse instante, é que através do paramilitarismo, o narcotráfico conseguiu penetrar e continua vigente em amplas áreas do país. Então a critica que alguns fazem ao processo de paz é que não se consegue conter a projeção política do narcoparamilitarismo.

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