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Honduras aposta em acordo cem dias após golpe

Sociedade intensifica pressão interna por solução para impasse político que vive o país desde a saída de Zelaya

Por Bruno Accorsi
Atualização:

O resumo dos cem dias do golpe em Honduras parece uma trama de ficção: prejuízos milionários, isolamento internacional, violência com número ainda incerto de mortos e um presidente deposto sob mira de armas que depois regressa ao país clandestinamente e se refugia na Embaixada do Brasil. Cansados dessa "novela", os hondurenhos de diferentes setores sociais querem o fim do impasse vivido desde a deposição do presidente Manuel Zelaya, no dia 28 de junho, e a tomada do poder por um grupo comandado pelo ex-presidente do Congresso Roberto Micheletti.

 

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A pressão interna por uma solução talvez agora seja tão forte quando a que vem sendo feita pela comunidade internacional. A defesa de um acordo parte tanto de camponeses pró-Zelaya como de militares e empresários leais a Micheletti, apesar das fortes desconfianças dos dois lados. Tanto Zelaya como Micheletti moderaram seus tons. O líder deposto já admite regressar à Presidência com menos poderes e até à responder na Justiça pelos supostos delitos dos quais o governo interino o acusa. E o presidente interino pode derrubar nesta segunda o estado de sítio instaurado desde que Zelaya regressou a Honduras e se abrigou na Embaixada do Brasil. Micheletti já enfatizou que não tomará qualquer ação contra a Embaixada do Brasil, mesmo após esta terça-feira, quando vence o prazo dado determinado pela administração interina para que o Brasil defina o status politico de Zelaya. A comunidade internacional também está fazendo concessões. A Organização dos Estados Americanos (OEA) disse neste domingo que o plano para pôr fim à crise política em Honduras, apoiado pela entidade e elaborado pelo presidente da Costa Rica, Óscar Árias, poderá ser flexibilizado. O secretário de Assuntos Políticos da OEA, Victor Rico, disse que "se os próprios hondurenhos julgarem que ele (o plano Árias) pode ser modificado, isso é absolutamente factível" e que o proposta "não foi escrita em pedra ou em bronze". Rico comanda uma delegação de quatro integrantes da entidade, que está em Tegucigalpa. E que há apenas uma semana havia sido impedida de entrar no país pelo governo interino. Agora o clima parece ser outro. Na quarta-feira, Honduras receberá o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, juntamente com outros dez chanceleres da entidade. Antes desta visita oficial, Insulza realizou um encontro secreto com Micheletti, na base militar americana de Palmerola, ao norte de Tegucigalpa, na quarta-feira passada. Desde que a comunidade internacional adotou sanções contra Honduras, o país já perdeu um total US$ 30 milhões em assistência dos Estados Unidos, viu o Fundo Monetário Internacional congelar US$ que 150 milhões que seriam destinados a reforçar as reservas de Honduras e o PIB nacional deve sofrer retração em 2009. As dificuldades financeiras e o isolamento internacional de Honduras vêm promovendo o desgaste de Micheletti junto aos empresários do país, que inicialmente o haviam apoiado. Adolfo Fucassé, o presidente da Associação Nacional de Industriais de Honduras, formulou junto com integrantes de sua entidade uma plano que contempla a renúncia de Micheletti, mas o retorno ao poder de um Zelaya com poderes reduzidos e que teria de compartilhar espaço com um gabinete multipartidário com poderes ampliados. Os hondurenhos exprimem opiniões diversas sobre o atual quadro político, que vão desde o apoio entusiástico por Zelaya, à aversão pelo líder eleito do país ou a descrença em ambas as facções. "O governo interino fez o certo ao tirar Zelaya do poder, mas não a expulsá-lo do país. Porque há um procedimento quando se depõe o presidente, mas ele foi afastado porque estava tentando impor uma Constituinte. Não creio que ele volte e nem quero que ele volte. A única solução é promover as eleições", disse à BBC Brasil Christopher Zapata, estudante de Relações Internacionais. Honduras terá eleições presidenciais no próximo dia 29 de novembro, um motivo a mais pelo qual diferentes facções querem apressar as negociações entre as facções em disputa. A comunidade internacional já afirmou que não reconhecerá o resultado do pleito se Zelaya não for restituído ao poder. Diariamente, Tegucigalpa é palco de ao menos uma manifestação a favor do líder deposto. Mas se no passado tais eventos angariavam multidões - às vezes de milhares de pessoas -, atualmente elas mal conseguem arregimentar cem ativistas. Nesta segunda, militantes pró-Zelaya voltarão a se concentrar em frente à Embaixada dos Estados Unidos. Nos protestos, boa parte dos militantes pró-Zelaya são camponeses do interior de Honduras. No terceiro país mais pobre do Hemisfério Ocidental, muitos aproveitam tais eventos para tentar faturar um troco, vendendo CDs piratas com músicas de protesto estampadas com fotos de Zelaya e de Che Guevara e broches com o retrato do presidente deposto com seu inseparável chapéu de caubói. O agrônomo Jorge Flores diz que tudo leva a crer que "o governo irá reconsiderar, que os golpistas reconhecerão que cometeram um erro e que ele (Zelaya) será restituído. Estamos confiantes, por isso resistimos". Mas para alguns como o vendedor ambulante Jorge, pouco importa quem estiver no poder. Ele vende balas e cigarros em passeatas. "Nem me interessa contra quem é o protesto. Se for contra Micheletti eu estou lá, se for a favor, eu vou estar também."

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