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Jobim viaja ao Haiti em busca de apoio à liderança brasileira

Ministro tem incumbência de persuadir outros países para garantir um bom mandato para o Brasil na ONU

Por Tahiane Stochero
Atualização:

Ministros da Defesa de nove países da América caminhando em Cité Soleil, reduto histórico do crime e região onde até fevereiro as tropas internacionais das Nações Unidas não entravam. A situação, que seria inimaginável há cinco meses, irá ocorrer na próxima semana, quando representantes dos países latino-americanos que possuem tropas no Haiti se reúnem em Porto Príncipe para avaliar os três anos da missão da ONU. Veja também:  Acompanhe uma patrulha na região mais violenta do Haiti Convidado para o encontro, o ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobim, embarca domingo para o a capital haitiana com uma incumbência especial: convencer seus colegas de Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Guatemala, Paraguai, Peru e Uruguai a continuarem a manter as tropas no país, apoiando ainda a permanência da liderança militar brasileira. Em meio a um mar de pobreza no Caribe - onde 80% da população vive com menos de US$ 2 por dia -, as autoridades ficarão hospedadas no único hotel cinco estrelas do país e irão conhecer um "novo Haiti", diferente daquele que provocou a intervenção da ONU em junho de 2004, após uma onda de violência destituir o então presidente Jean-Bertrand Aristide. Sob o comando do Brasil, os militares conseguiram nestes três anos "pacificar" as regiões mais violentas, como Bel Air, Cité Militaire e Cité Soleil, prendendo líderes de gangues, responsáveis por extorsões, seqüestros e assassinatos. Agora, um ano depois da eleição do presidente René Préval e com relativa segurança, os poderes Legislativo e Judiciário começam, lentamente, a funcionar. O recolhimento de lixo, a cobrança de impostos e a distribuição de energia elétrica, até então inexistentes, começam, aos poucos, a serem realizados. O Estado democrático de direito, enfim, começa a existir. Tarefa árdua para Jobim Na segunda-feira, dia 4, os ministros irão se encontrar com autoridades haitianas, visitar escolas e conversar com a população, discutindo questões como o fortalecimento da Polícia Nacional Haitiana (PNH) e a luta contra a corrupção e o narcotráfico. Mas, o objetivo principal da reunião dos ministros da Defesa é chegar a um consenso sobre a situação do país e as perspectivas da manutenção da missão da ONU para estabilização do Haiti (Minustah), cujo mandato expira em 15 de outubro. Na ocasião, o Conselho de Segurança redigirá um novo texto, com base nos novos objetivos da missão, que entra em uma fase decisiva: passa do processo da imposição da paz pelas armas (peace-enforcement) para a construção do Estado (peacebuilding), com a busca por investimentos e geração de empregos. Em um momento que comunidade internacional questiona a necessidade da permanência dos 8.825 militares em um país do tamanho do Estado de Alagoas, Jobim terá a difícil tarefa de fazer com que seus colegas saiam cientes do êxito obtido nas operações comandadas pelo Brasil nestes três anos e da necessidade de pressionarem seus respectivos Congressos para a manutenção das tropas. Jobim terá ainda de trabalhar diplomática e politicamente para que a nova resolução do Conselho de Segurança seja benéfica ao Brasil, permitindo liberdade de atuação no campo de vista militar. Quando o mandato foi renovado, em fevereiro, diante de uma nova onda de violência, os países acordaram sobre a necessidade de uma frase-chave que autorizava "o uso de todos os meios necessários para o desarmamento das gangues". A adoção do texto permitiu que os brasileiros realizassem grandes operações, capturando ou matando os principais criminosos de Cité Soleil. A liderança da missão no Haiti trouxe ao Brasil prestígio internacional. Desde 2004, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva autorizou o envio de militares, o País tem se empenhado na busca desenfreada por uma vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidos, que dá direito a veto nas principais discussões sobre a política internacional. Agora, com o relativo êxito dos trabalhos, a manutenção da liderança consolidaria o reconhecimento global do ponto de vista diplomático e militar, além de uma posição privilegiada de influência sobre os países da América Latina frente aos avanços do venezuelano Hugo Chávez. Fim do estado de exceção Contudo, a época do estado de exceção, com incursões militares e tiroteios com bandidos durante o dia, acabou. Os capacetes-azuis agora realizam patrulhas a pé, treinam a polícia local e buscam irradiar influência e conquistar a confiança da população, consolidando o trabalho de pacificação e permitindo que agências humanitárias e ONGs atuem em prol melhoria da qualidade de vida da população. As autoridades reconhecem, porém, que ainda há muito o que se fazer. O medo de que a sexta missão da ONU no Haiti em 15 anos fracasse faz com que o representante das Nações Unidas, Edmond Mulet, preveja que as tropas fiquem no país até a próxima eleição presidencial, em 2010. "Quando a Minustah veio para cá, em 2004, o país estava à beira de uma guerra civil. As nossas prioridades eram estabelecer a segurança e a democracia, isto é, ter um governo legitimamente eleito no poder. Isso nós conseguimos. A segurança foi conseguida, mas não está consolidada. Se não ficarmos tempo suficiente e fizermos uma retirada precipitada, todo nosso esforço terá sido em vão. Daí vocês verão uma nova missão internacional no Haiti daqui a alguns anos. É isso o que a gente quer evitar. Uma retirada das tropas hoje seria um grande erro. Grande, com G em letra maiúscula", disse Mulet com exclusividade ao portal estadao.com.br, em maio, em Porto Príncipe. Brasil com comando total Devido ao sucesso na pacificação do Haiti, Mulet foi promovido e deixou o país mais pobre das Américas no último domingo. Seu substituto, o tunisiano Hedi Annabi, tentará chegar a tempo de participar do encontro dos ministros. Com extensa experiência em missões de paz, Annabi está encarregado de deslanchar agora o complexo processo de restauração do Estado haitiano. Enquanto isso, por apenas alguns dias, o Brasil tem em mãos o comando total da missão da ONU: o diplomata Luiz Carlos da Costa dá as cartas temporariamente na área civil e o general gaúcho Carlos Alberto dos Santos Cruz é o comandante da força militar.

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