Keiko lidera em palcos do terror fujimorista

Apesar de massacres ordenados pelo pai, candidata conquista eleitores mais pobres no Peru

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Raatz
Por Luiz Raatz
Atualização:

LIMA - Os peruanos vão às urnas neste domingo, 5, para escolher o novo presidente do país em uma eleição que pode selar o retorno do fujimorismo ao poder pelas mãos de Keiko, filha do ex-presidente Alberto Fujimori, 16 anos após sua queda por corrupção e violações de direitos humanos. Em dois dos palcos mais simbólicos dos crimes do ex-presidente, a Universidade de La Cantuta e o subúrbio de Barrios Altos, no entanto, a candidata do partido Fuerza Popular é favorita.

Hermínio Guevara tem uma barraca de fotocópias na rua da universidade - que fica 45 quilômetros a leste do centro de Lima. Ele conta que em 18 de julho de 1992 um amigo que dava aulas na escola conseguiu fugir do ataque lançado por militares do Exército ao local, no qual 16 pessoas morreram. O filho dele foi aluno da universidade na época do massacre. Mesmo assim, acredita que Keiko é a melhor candidata e não repetirá os erros do pai, hoje preso.

Pôster de Keiko em rua de Barrios Altos, cenário de massacre do esquadrão da morte fujimorista em 1991: candidata lidera pesquisas Foto: Luiz Raatz|Estadão

PUBLICIDADE

“Tenho 69 anos, sou aprista, mas acho que é hora de uma mulher chegar à presidência”, disse ele ao Estado. “Alan García, Alejandro Toledo, Ollanta Humala: todos prometeram e não fizeram nada. Ainda não esqueci os anos 90 e tudo que o senhor Fujimori fez por nós.”

Para Guevara, as violações de direitos humanos cometidas pelo governo de Alberto Fujimori se justificam em virtude do desmantelamento de grupos terroristas como o Sendero Luminoso, que, segundo ele, tinha ativistas dentro da universidade na época.

“Em todas as escolas da universidade é certo que havia terrorismo. Os professores faziam a cabeça dos alunos”, afirmou. “Não concordo com aquilo. É uma ideologia desvairada, que tinha apenas uns milhares de pessoas. Para que desse certo teriam de ter apoio em todo o Peru.”

Guevara conta que o massacre de La Cantuta começou por volta da meia-noite. O grupo Colina, paramilitares ligados ao Exército peruano, decidiu invadir a universidade dois dias depois do atentado da Rua Tarata - ação do Sendero Luminoso que derrubou um edifício e matou 25 pessoas no bairro de classe alta de Miraflores.

Os soldados tomaram o câmpus e buscaram suspeitos de participar do Sendero, grupo maoísta responsável pela explosão. Nove estudantes e um professor foram levados pelo grupo, torturados e mortos.

Publicidade

O vendedor lembra que nos dias que se seguiram ao sequestro dos estudantes não era possível sair na rua à noite. O Exército impusera toque de recolher e prendia suspeitos de maneira aleatória. Mas ele acredita que a derrota dos grupos radicais, no longo prazo, compensou a exceção.

Apoio. Fany Mesa (esquerda) e Angelica Aguilar votarão em Keiko Foto: Luiz Raatz|Estadão

“O que são dez mortos perto das vítimas do Sendero?”, questionou Guevara. “Eu venho de uma região onde eles matavam muito mais gente. Claro que se justifica (o massacre). Além disso, atacavam os postes de luz e o bairro todo ficava no escuro.”

Temor. O motorista Juan Antonio Quispe, de 35 anos, era pré-adolescente na época do massacre, mas se lembra dos cortes de luz frequentes. “Tínhamos muito medo”, contou. Ele ainda não decidiu o voto, mas tende a escolher a filha de Fujimori. “Ela entende o que as comunidades mais pobres precisam. Eu não tenho água nem tratamento de esgoto em casa e creio que com ela isso mudará.”

Por todo o bairro de La Cantuta é possível ver pôsteres e murais pintados com propagandas de Keiko Fujimori. Propagandas do rival, o economista Pedro Pablo Kuczynski, são raras.

PUBLICIDADE

O mesmo acontece em Barrios Altos, palco de outro abuso simbólico do regime de Fujimori. Ali, como em La Cantuta, Keiko caiu nas graças dos eleitores.

Descontentamento. Fany Mesa, de 54 anos, mora em Barrios Altos, mas tem família vivendo em La Cantuta. “Havia terroristas infiltrados na Universidade’, disse à reportagem. “Eu lembro bem da época do Fujimori. Foi difícil, principalmente o choque para conter a inflação. Mas foi necessário. Às vezes você primeiro precisa fazer o mal para depois fazer o bem.” 

Sua amiga Angelica Aguillar, que também é ambulante na Plaza Italia, no coração do bairro, compartilha da opinião de que o Sendero foi mais nocivo ao país que Fujimori. “Eu me lembro nos anos 80 quando eles invadiam as casas nas províncias e executavam as pessoas”, disse. 

Publicidade

Preparação. Universidade de La Cantuta será centro de votação Foto: Luiz Raatz|Estadão

Sobre a noite de 3 de novembro de 1991, ambas reconhecem que houve abusos e inocentes morreram. Na ocasião, 15 pessoas erroneamente vinculadas ao Sendero foram mortas pelo grupo Colina, entre elas uma criança de 8 anos. Eles estavam em um restaurante quando os soldados invadiram o local e abriram fogo. “É complicado, mataram inocentes aquele dia”, afirmou Fany. “Mas a verdade é que todos somos culpados por aquela época.”

Ambas votarão em Keiko e também acreditam que ela não repetirá os erros do pai. A razão encontrada por Angélica para isso é simples. “Ela não vai querer que seus filhos passem o que ela passou por causa do pai”, disse. Fany completa: “No Peru, todos somos corruptos. A polícia se vende por um sol. Mas acredito que ela, por ser mulher, fará um bom trabalho.”

Polarização. A cientista política peruana Adriana Urrutia, mestre em estudos latino-americanos, pela universidade francesa Sciences Po, explica que em muitos desses bairros palco de violações de direitos humanos parte da população carente teve acesso a direitos básicos, como educação e energia elétrica, no governo de Fujimori.

“Muita gente que pertence a esses setores sociais não contava com a presença do Estado até a chegada do Fujimori. E o governo dele coincidiu com o fim do terrorismo”, disse. “ Para essa parte da população, os seus direitos não foram violentados, mas pelo contrário. Recebeu benefícios pela primeira vez.”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.