Para analistas, pressão econômica seria saída para Honduras

Fator financeiro pode forçar governo de facto do país pobre a voltar à mesa de negociações disposto a ceder

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Com o fracasso do diálogo entre o presidente deposto, Manuel Zelaya, e o líder de facto, Roberto Micheletti, a pressão econômica sobre a administração autoproclamada pode ser a saída para o impasse político em Honduras, um dos países mais pobres da América Central. A opinião é compartilhada por dois especialistas: Paulo Edgar Resende, dirigente do Núcleo de Estudos em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), e Enrique Amayo, professor de História Econômica e Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

 

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"A questão econômica vai pesar muito. Honduras é uma região relativamente fraca e os golpistas não têm o apoio de ninguém", afirma Amayo, lembrando que a União Europeia já suspendeu a ajuda financeira e que os Estados Unidos - de quem Honduras é altamente dependente - ameaçam fazer o mesmo. "Nós teremos um país enfrentando inúmeras dificuldades caso o golpismo perdure", acrescenta Resende.

 

As negociações, travadas sob a mediação de Oscar Arias, presidente costarriquenho vencedor do Nobel da Paz, não chegaram a um consenso principalmente porque o governo de facto se nega a restabelecer Zelaya, uma condição que é peça-chave tanto do plano da Costa Rica como dos apelos de outros países e instituições para a estabilidade de Honduras.

 

Segundo Amayo, porém, a negociação poderia ter obtido sucesso se fosse apoiada de maneira mais clara por nações e organizações de peso, como EUA e o Mercosul. "O fracasso não se deu apenas por questões internas, mas também porque países como os EUA não tomaram posições mais firmes", explica.

 

Durante toda a crise, o presidente americano Barack Obama tem defendido a volta de Zelaya ao poder, mas ainda não lançou um ultimato ao governo de facto, nem se colocou à frente das negociações. Amayo afirma que isso acontece devido à oposição norte-americana. "Republicanos estão se opondo à posição, ainda que branda e fraca, do presidente Obama à favor de Zelaya", diz.

 

"Provavelmente pelos problemas internos, o México, que historicamente tem uma grande influência na região, também não tomou uma posição muito clara", acrescenta. "Outros países importantes no cenário internacional, como o Brasil, também não tiveram um posicionamento firme. Deixaram isso muito para a OEA (Organização dos Estados Americanos), que tem muito pouco prestígio."

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Ao contrário dos outros países da região, EUA e Honduras mantém uma relação muito próxima. Nos anos 1990, o país foi uma espécie de grande base militar de Washington para atacar os projetos que apareceram na América Central para criar vias alternativas ao capitalismo. Os militares de Honduras, como lembra Amayo, "serviram às políticas dos EUA contra, por exemplo, os sandinistas". É por isso, segundo a opinião do analista, que Obama encontra problemas internos ao se posicionar sobre a questão.

 

Já Resende discorda. "Não diria que os EUA estão se envolvendo pouco", diz. "Há um novo estilo da diplomacia de Obama no sentido de privilegiar, sobretudo nas relações interamericanas, um multilateralismo". O especialista da PUC também avalia que o posicionamento brasileiro diante do impasse é "correto."

 

Golpe ou Constituição?

 

A crise culminou-se no dia 28 de junho, quando as Forças Armadas de Honduras depuseram e expulsaram Zelaya do país, alegando que o presidente tentava impulsionar um consulta popular sobre um segundo mandato, o que é proibido pela Constituição do país. O governo de facto nega que houve golpe de Estado; ao invés disso, fala em "deposição constitucional."

 

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"Que evidências maiores (podem haver) de um golpe de Estado do que prender um presidente de pijamas e levá-lo ao exterior?", indaga Amayo. "É golpe de Estado na medida em que o presidente, que foi eleito por uma maioria, foi posto para fora do país", afirma. No mesmo sentido, Resende aponta que "há um consenso internacional de que houve um golpe."

 

Amayo aponta ainda a "intransigência" entre as partes no envolvida no diálogo, mas não descarta outros fatores. "Parece que há algumas coisas além da política, talvez algumas questões pessoais que nós não conhecemos", diz. "Tanto Micheletti como Zelaya são da mesma legenda (Partido Liberal de Honduras). São detalhes que acontecem entre pequenos grupos de interesse."

 

Na opinião do professor da Unesp, uma negociação bem sucedida teria que começar com Zelaya desistindo do referendo para reeleição. "Micheletti também teria que renunciar ao cargo e talvez convocar eleições em outubro, como propôs Arias", acrescenta. O analista da PUC critica o diálogo, sustentando que "em caso de golpe, a negociação - e começar por ela - inverte a questão. Não há nenhuma concessão a ser feita aos golpistas". Para ele, "parece que há um certo apelo à legalidade, totalmente ilegítimo."

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Influência de Chávez

 

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, é um dos que mais defendem medidas radicais para a volta ao aliado Zelaya. Desde o início da crise, o chefe de Estado não poupou discursos inflamados e ameaças ao presidente de facto, a quem ele se refere por "gorileti". Para o professor da Unesp, o impasse em Honduras demonstra um outro aspecto: o limite da influência de Chávez. "Foi relativamente fácil ele se aliar a países como Equador e Bolívia, parecia que isso também seria fácil na América Central, por meio de nações como Nicarágua e Honduras", afirma. "Mas em Honduras, boa parte da população que está a favor de Zelaya não gosta de suas relações com Chávez."

 

Para Resende, os laços entre Zelaya e Chávez - que também já ficou por algumas horas fora do poder após um golpe de Estado, em 2002 - acabaram sendo utilizados pelos opositores hondurenhos. Segundo Amayo, a tentativa mal sucedida de derrubar o presidente venezuelano também propicia uma "identificação pessoal" de Chávez com Zelaya.

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