'Perdemos a confiança no governo', diz estudante mexicano após sequestros

Em entrevista ao 'Estado', aluno conta como polícia abordou seus colegas antes de terem desaparecido em Guerrero

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Por Fernanda Simas
Atualização:
Estudantes protestam na Cidade do México contra sequestros, em novembro de 2014 Foto: Daniel Becerril/Reuters

Depois de oito meses do desaparecimento de 43 estudantes da Escola Normal de Ayotzinapa, no México, o caso continua sem uma conclusão e parentes dos alunos depositam as esperanças em organizações internacionais. “Perdemos a confiança no governo em razão da falta de interesse”, afirma o estudante Gerardo Torres Pérez, cujo irmão estava em um dos ônibus atacados. Durante visita ao Brasil para participar de um fórum internacional sobre direitos humanos, o estudante falou sobre a violência policial no Estado de Guerrero. A seguir, trechos da entrevista: 

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Como ocorreu o desaparecimento?

Durante a tarde, os alunos estavam realizando uma coleta voluntária na cidade de Iguala. Quando terminaram a coleta e estavam voltando da cidade em quatro ônibus, um dos veículos se adiantou e policiais municipais detiveram dois ônibus nos arredores da cidade. Em um deles estava meu irmão mais novo, que está no primeiro ano, mas graças a Deus não sofreu nada. Os outros dois ônibus estavam no centro da cidade e também foram perseguidos por policiais municipais. Quando viram que não haveria motivos para deter nossos colegas, os policiais começaram a fazer disparos. Alguns colegas ficaram feridos e outros estavam com medo de sair do ônibus, pois um dos alunos já havia sido morto. Em um dos ônibus, os policiais começaram a retirar todos nossos colegas, com violência, dando chutes. As pessoas que já estavam feridas por tiros foram levadas em ambulâncias e receberam tratamento médico. Alguns alunos contam que depois as patrulhas dos policiais municipais subiram e levaram o restante das pessoas para a cadeia da cidade. Aqueles que conseguiram sair dos ônibus, se esconderam em casas da região, muita gente da cidade ajudou.

Onde você estava naquele momento?

Na escola. No momento do ocorrido, rapidamente nossos colegas se comunicaram com a escola e nós começamos a nos organizar, criamos um grupo para ver o que acontecia no local. Juntamos até mesmo vários jornalistas para nos acompanhar. Durante o tempo de viagem desde a escola até Iguala, cerca de uma hora e meia, o grupo de apoio conta que havia diversos bloqueios no percurso, não de policiais, mas do crime organizado. O grupo passou em alta velocidade e o ônibus foi alvo de homens que chegaram em um táxi, desceram e começaram a atirar. Nesse momento, outro colega morreu.

Em que momento você consegui falar com seu irmão depois?

Não podíamos nos comunicar, pois haviam levado o celular dele. Consegui falar por meio de outro colega.

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O governo tentou se comunicar com vocês depois da investigação?

A relação com o governo foi apenas para pedir que fizesse uma busca exaustiva de nossos colegas. Quando a Procuradoria-Geral da República determinou que eles haviam sido mortos, a comunicação com o Estado foi rompida, pois perdemos a confiança no governo em razão da falta de interesse. Queriam encerrar o caso para impedir protestos. Pedimos ajuda internacional, já que o Estado não estava agindo na resolução desse caso.

Você acredita que a equipe da OEA que investiga o caso possa chegar a um resultado diferente?

Acreditamos que sim. Temos a esperança de que possam resolver alguma coisa. Eles pediram para realizar uma investigação de seis meses para fazer uma revisão exaustiva.

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Os alunos já haviam sofrido algum tipo de ameaça?

Nunca sofremos ameaças de grupos criminosos organizados, mas em 2011 também houve um ataque por parte do Estado contra os alunos de Ayotzinapa. Queríamos ter aulas e o Estado respondeu de uma forma deplorável. Dois alunos morreram e três foram feridos a tiros. Eles tentaram até me incriminar, dizendo que eu teria matado um de meus colegas. Levaram-me para fora da cidade e me fizeram disparar um fuzil AK-47 para me culpar. Fui torturado e ameaçado, só fui solto dois dias depois porque ocorreram grandes manifestações. Mas ninguém foi punido. Os dois policiais que foram detidos na ocasião, foram soltos após um ano por falta de provas.

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