Pouca diferença entre direita e esquerda no Chile, diz analista

Em caso de vitória de Sebastian Piñera nas eleições deste domingo, maior mudança deve ser na política externa

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Por João Coscelli
Atualização:

As eleições presidenciais deste domingo, 13, no Chile, podem marcar a primeira vitória eleitoral da direita no país desde 1964, quando Eduardo Frei Montalva venceu o pleito pelo Partido Democrata Cristão. As pesquisas indicam que Sebastián Piñera, do mesmo partido, deve colocar fim à hegemonia de 20 anos da coalizão de esquerda, no poder desde o fim da ditadura militar, em 1990, quando o general Augusto Pinochet, que chegou ao poder por meio de um golpe de Estado em 1973, foi rejeitado pela população em um referendo. Veja também: linkGaleria de fotos: imagens da campanha linkSebastián Piñera, multimilionário de 60 anos linkMarco Enriquez-Ominami, cineasta e deputado linkEduardo Frei, ex-presidente aliado de Bachelet 

 

Mesmo com a provável vitória de um candidato de linha conservadora, o modelo da administração chilena não deve sofrer grandes rupturas, conforma analisa Luis Fernando Ayerbe, professor de História e Relações Internacionais da Unesp. "Michelle Bachelet e os presidentes anteriores, embora oriundos de partidos da esquerda, fizeram um governo moderado, diferente de outros países da América do Sul. O modelo econômico usado durante a ditadura de Pinochet permanece em vigência no Chile", explica Ayerbe, ressalvando, porém, que no período da redemocratização, as reformas sociais ganharam mais espaço com a Concertación, a coalizão de esquerda que governa desde 1990.

 

O modelo ao qual o professor se refere foi o responsável por fazer do Chile a nação mais próspera entre os sul-americanos. A média do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) chileno de 2004 a 2007 foi superior a 5% - apenas em 2008, por conta da crise, a economia aumentou apenas 3,2%. O país andino também é o detentor do maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da América Latina, com 0,878, ocupando a 44ª posição no ranking que engloba 182 países.

 

Ayerbe associa esse patamar de desenvolvimento atingido pelo Chile à estabilidade conferida pelo modelo econômico liberal da ditadura Pinochet. "Diferentemente do que ocorreu no Brasil e na Argentina, durante o período pós-ditadura o Chile não passou por nenhuma crise", explica o professor. "O Chile transitou de forma bastante tranquila desde o fim da ditadura, e por isso não deve haver nenhuma grande ruptura no governo".

 

De acordo com os discursos de campanha de cada um dos candidatos - Piñera; o ex-presidente Eduardo Frei, candidato governista; e o independente Marco Enríquez-Ominami - prometem reformas moderadas, o que reflete a convergência partidária que se opôs ao governo Pinochet nas décadas de 1970 e 1980, segundo Ayerbe. "No Chile há duas coalizões centristas com duas tendências diferentes. Na época da ditadura, juntos, os partidos Socialista e Democrata Cristão formavam a oposição, e isso justifica essa aproximação", explica o professor.

 

Política Pós-Pinochet

 

Passadas duas décadas desde a ditadura, a necessidade dessa convergência não se coloca como uma questão estratégica na política e as diferenças ideológicas começam a reaparecer, segundo Ayerbe. "Os partidos vão passar a acentuar sua identidade própria, mas ainda não constituem dois blocos muito separados. Uma vitória conservadora não significará uma derrota no modelo político e econômico sustentado pela Concertación", analisa.

 

Segundo Ayerbe, a perspectiva de vitória dos conservadores não é nenhuma surpresa, já que o Chile segue em um período de estabilidade política e econômica. "Em um cenário de crise sim seria surpreendente a troca do governo, mas as coalizões chilenas são muito próximas e o eleitorado tende a ser menos polarizado", diz.

 

Política externa

 

As principais mudanças que devem ocorrer caso Piñera confirme a vitória dizem respeito às relações do Chile com os vizinhos sul-americanos, conforme explica Ayerbe.

 

"Michelle Bachelet teve um papel importante quando presidiu a Unasul (União das Nações Sul-americanas), apoiando Evo Morales, presidente da Bolívia, em sua reeleição e na sustentação de seu governo. Certamente o Chile deixará de apoiar a esquerda mais radical, como a da Venezuela e do Equador", analisa o professor.

 

Quanto aos EUA, a perspectiva de mudança é de uma aproximação ainda maior. "O Chile é país bastante aberto e tem acordos com os americanos, tem boas relações com a China e com os europeus", explica Ayerbe. Segundo o professor, há uma dependência econômica muito grande do país andino com os EUA e a Europa para que haja alguma mudança nessas relações.

 

Redemocratização

 

Em 2010, o Chile completa 20 anos do fim da ditadura de Pinochet. Desde 1990, o país passou pelo período chamado de redemocratização, uma fase, segundo Ayerbe, superada pelo governo, embora hajam resquícios da gestão militar.

 

"As Forças Armadas se fortaleceram durante esse período, e isso é reflexo da ditadura. Discute-se muito o destino do dinheiro da exportação de cobre, que durante o governo de Pinochet aparelhou os militares", detalha o professor. O cobre é o principal produto da economia chilena.

 

Segundo ele, o grande desafio dessas duas décadas pós-ditadura era fazer com que o modelo econômico liberal tivesse também reformas sociais, o que foi feito principalmente durante o governo de Michelle Bachelet, vigente desde 2006. "O Chile teve uma grande melhora, mas ainda que esteja próximo dos níveis do primeiro mundo,há muito o que se fazer, principalmente na questão indígena", indica Ayerbe, afirmando que o país poderia estar em uma posição ainda maior no ranking de IDH da ONU.

 

 

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