Efe
BUENOS AIRES- A Procuradoria Federal da Argentina recomendou nesta sexta-feira, 30, que a Justiça do país rejeite o pedido de investigação dos crimes de lesa humanidade cometidos durante a ditadura de Francisco Franco, ao considerar "ilegal" o início de um processo que "numerosos tribunais" levam a cabo na Espanha, informaram fontes judiciais.
A ação judicial, fundamentada no princípio de "jurisdição universal", é liderada por familiares de vítimas da ditadura franquista e respaldada por organizações argentinas de direitos humanos, pelo Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel e associações espanholas.
Ela solicita que a Justiça resgate dados sobre membros dos governos espanhóis em funções entre 17 de julho de 1936 e 15 de junho de 1977, assim como de comandantes do Exército, Guarda Civil, Polícia Armada, diretores gerais de segurança e dirigentes da Falange espanhola.
Além disso, pede listas de desaparecidos, assassinados e torturados e das fossas comuns cavadas na Espanha, um censo das crianças roubadas durante a ditadura e informação de "todas as empresas privadas beneficiárias do trabalho forçado e escravo dos presos republicanos que continuam ativas".
Em um informe entregue à juíza María Servini de Cubría, divulgada pela agência oficial Télam, o procurador Federico Delgado rechaça a denúncia apresentada em 14 de abril na Câmara Federal de Buenos Aires para que sejam investigados na Argentina os crimes cometidos durante a ditadura franquista.
"Iniciar um processo na Argentina equivaleria a usar um caminho ilegal para remediar uma ilegalidade maior. Isso é impossível com a evolução do direito internacional e dos direitos humanos", sustentou o representante do Ministério Público.
"É inegável que os crimes do franquismo constituem crimes de lesa humanidade e, em consequência, é inegável também que o pedido de quem pretende uma investigação em Argentina está amparado em altíssimas razões de justiça apoiadas na categoria de delitos de lesa humanidade", reconheceu Delgado.
O procurador citou Raúl Zaffaroni, um dos membros da Corte Suprema argentina, ao afirmar que "qualquer país está habilitado para julgar os crimes contra a humanidade, mas sob a condição que o país a que incumbia o exercício da jurisdição (no caso, a Espanha) não o tenha feito", de acordo com o princípio de "territorialidade".
Delgado recordou que "existem numerosos tribunais (espanhóis) que estão investigando na atualidade os crimes do franquismo" e que a Lei de Anistia aprovada na Espanha "não contempla os crimes continuados de sequestro, dentro e fora da Espanha, de crianças de famílias republicanas e sua entrega a famílias franquistas, nem as prisões/desaparições forçadas".
A postura do procurador, no entanto, não impediu que fosse ampliada nesta sexta a ação, com 16 novos casos de vítimas galegas do franquismo.
A ação inclui alguns dos cerca de 5.000 retaliados pela ditadura na Galícia, no noroeste da Espanha, identificados em uma investigação feita por universidades galegas durante os últimos quatro anos.
A recomendação do procurador Delgado caiu como um balde de água fria entre os advogados dos que entraram com a ação e as organizações de direitos humanos, que insistiram hoje que o informe não é vinculante e esperam que a juíza Servini de Cubría acabe aceitando a abertura da causa na Argentina.
O advogado Carlos Zamorano, da Liga Argentina de Direitos Humanos, ressaltou que a juíza toma sua decisão independentemente do informe do procurador e, se decidir rechaçar a causa, a defesa pode apelar.