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Começa a troca de socos e pontapés

Primarias dos partidos Republicano e Democrata nos EUA colocam populistas de esquerda e direita em evidência

Por The Economist
Atualização:

Músculos à mostra, os rivais entram no ringue. Insultos furiosos estão à flor da pele. Amanhã os eleitores do Estado de Iowa comparecem ao primeiro round da campanha presidencial americana. Na semana que vem, será a vez dos eleitores de New Hampshire. De lá, a disputa segue para a Super Terça, no dia 1.º de março, quando ocorrerão primárias em 13 Estados, e, mais adiante, para as convenções partidárias de julho. É o maior torneio eleitoral do planeta. Mas ele não está saindo conforme o planejado. De um lado a outro dos Estados Unidos, o que se vê são elites políticas e eleitores moderados de queixo caído. Hillary Clinton, cuja posição no establishment americano não é menos sólida que a do Monumento a George Washington, está sendo pressionada por Bernie Sanders, um irritadiço senador do Estado de Vermont, que se define como “socialista democrático”. À direita, o pelotão dos que fazem uso da razão - Jeb Bush, Marco Rubio, John Kasich, entre outros - foi posto a nocaute pelas tiradas de Ted Cruz e pelo palavrório de Donald Trump. Tudo indicava que os eleitores escolheriam entre um Bush e uma Clinton - num pleito que parecia levar mais jeito de coroação do que eleição. Em vez disso, um bando de outsiders pôs de pernas para o ar a disputa pelo cargo mais poderoso da Terra, num levante sem igual nos últimos 50 anos. O que deu em vocês, ianques? Mais fortes e despudorados. Os EUA não são o único país em que o establishment foi às cordas. O Partido Trabalhista britânico está nas mãos de um sujeito de posições muito à esquerda de Sanders. Na França, a Frente Nacional, de extrema direita, foi o partido mais votado no primeiro turno das recentes eleições regionais. Os populistas lideram as pesquisas eleitorais na Holanda e estão no governo na Polônia e na Hungria. Na Suécia, terra do politicamente correto, os xenófobos agora têm 30% das preferências. Como ocorre com eleitores de todo o Ocidente, os americanos estão furibundos - frequentemente, pelos mesmos motivos. Faz anos que a maioria deles diz aos institutos de pesquisa que o país caminha na direção errada. A média dos salários está estagnada - ainda que nas faixas de renda mais altas, a remuneração tenha alcançado níveis estratosféricos. Angústias culturais somam-se às aflições econômicas: pesquisa realizada em 2015 pelo Pew Research Centre revela que os indivíduos brancos e cristãos tornaram-se minoritários nos EUA. E, nos últimos meses, o medo do terrorismo acrescentou um ingrediente ameaçador ao caldeirão populista. Ainda que a tendência seja generalizada, entre os americanos o apelo do populismo é especialmente potente. Os europeus já estão acostumados com seu declínio relativo. Na condição de única superpotência, os EUA se melindraram com a ascensão da China e o avanço de um jihadismo proveniente de áreas do Oriente Médio que o país tentou a tanto custo (de vidas e recursos financeiros) pacificar. Quando Trump promete “tornar a América grande de novo” e Cruz diz que a areia do Iraque e da Síria vai “arder no escuro”, os dois estão evocando o momento, logo após a derrocada da União Soviética, em que os EUA desfrutavam de um poder sem limites. Uma segunda razão é que, nos EUA, os outsiders canalizam indignação popular para o interior de um duopólio político. Na Europa, Trump e Sanders teriam os próprios partidos de protesto, que enfrentariam grandes dificuldades para chegar ao governo. Já o bipartidarismo americano absorveu Sanders, que se filiou ao Partido Democrata no ano passado, e Trump, que retornou ao Partido Republicano em 2009. Se vencerem as primárias, ambos terão o controle de máquinas políticas organizadas para catapultá-los à Casa Branca. Uma terceira explicação, relacionada à anterior, é que as elites não têm como manter a estridente democracia americana totalmente sob controle. As insurgências populistas estão inscritas no código-fonte de um Estado que nasceu da revolta contra uma elite distante e arbitrária.  O colégio eleitoral retira poder do centro e o devolve às extremidades do sistema. As primárias atraem os 20% de eleitores que mais se interessam por política. Candidatos de bolsos fornidos - com recursos próprios, no caso de Trump, ou de terceiros, no caso de Cruz - podem fazer pouco dos dirigentes partidários. É por isso que os candidatos populistas e antiestablishment fazem aparições frequentes nas campanhas presidenciais americanas. No entanto, na medida em que o espetáculo avança e os eleitores relutantemente se conformam com a realidade, a tendência é de que percam fôlego.  Em geral, isso ocorre ainda no início da campanha - Pat Buchanan, o republicano incendiário que prometeu fazer uma “revolta do ancinho” em 1996, chegou a vencer as primárias de New Hampshire, mas em fins de março já estava fora do páreo.  Nos raros casos em que conquistaram a indicação de seus partidos, os insurgentes malograram fragorosamente na eleição propriamente dita: Barry Goldwater perdeu em 44 dos 50 Estados em 1964. Os que se lançaram como candidatos independentes (como fez Ross Perot em 1992) também fracassaram - constatação não muito auspiciosa para Michael Bloomberg, que, segundo rumores, estaria disposto a autofinanciar uma candidatura nesses moldes. Cenário. Para os democratas, é provável que a história se repita em 2016. Mesmo que Sanders vença em Iowa e New Hampshire, são reduzidas as chances de que ele consiga se manter como candidato viável quando a campanha chegar ao sul do país. Hillary dispõe de recursos financeiros, é experiente e conta com o apoio dos democratas negros. Em termos nacionais, as pesquisas dão a ela 15 pontos de vantagem na corrida pela indicação do partido à candidatura. Para os republicanos, porém, as coisas podem ser realmente diferentes desta vez. Goldwater só disparou na liderança quando as primárias estavam no fim. Trump hipnotiza os republicanos que comparecem a seus comícios - e vem sendo recompensado por isso com o primeiro lugar nas pesquisas - desde julho. Alguns figurões do partido, cuja aversão a Cruz é ainda maior que a ojeriza que sentem por Trump, passaram a apoiar o bilionário. É possível que, na hora H, a escolha dos eleitores republicanos não recaia sobre nenhum dos dois populistas; talvez os ataques que um vem lançando contra o outro acabem por destruí-los mutuamente; quem sabe a elite do partido ainda consiga lançar um contra-ataque com o que resta dos US$ 100 milhões que Bush arrecadou para financiar sua campanha. O fato, porém, é que, no momento, ambos parecem ter chances reais de chegar à convenção e, a menos que sejam alvejados por algum conchavo de bastidor, até mesmo de conquistar a indicação do partido. Empate técnico. Tal possibilidade causa calafrios. As propostas econômicas de Trump e Cruz carecem de coerência; suas ideias políticas são bisonhas. Nenhum dos dois é digno de confiança. Apesar disso, basta que o nome de um deles esteja nas cédulas que os eleitores americanos depositarão nas urnas em novembro para que o perigo de a Casa Branca cair em suas mãos seja real. Nos últimos tempos, o eleitorado americano está dividido ao meio, fazendo com que as eleições sejam decididas por poucos votos em meia dúzia de Estados. Hillary não é boa de campanha; Trump e Cruz, são. Na concepção de suas “políticas”, Trump se inspira indiscriminadamente à direita e à esquerda e pode muito bem conquistar votos apelando descaradamente ao centro. Numa disputa apertada, um atentado terrorista, ou um escândalo que venha à tona poucos dias antes da eleição, pode ser decisivo. O pessimismo em relação à situação dos EUA é equivocado. Economicamente, o país está melhor do que qualquer outra nação desenvolvida. Os índices de desemprego são baixos; os de criminalidade também. Mas os republicanos mais moderados passaram os últimos anos dirigindo ataques tão despropositados a Barack Obama que agora não têm o que dizer diante das barbaridades proferidas por Trump e Cruz. Se há alguém que deve lamentar o espetáculo dos próximos meses, são eles. / TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER

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