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'Martin Luther King votaria em Obama', diz biógrafo

O historiador David Garrow diz que King e Obama tem abordagens semelhantes em relação à questão racial

Por Caio Quero
Atualização:

Professor da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, o historiador norte-americano David Garrow venceu o prêmio Pulitzer de 1987 com 'Bearing the Cross: Martin Luther King, Jr., and the Southern Christian Leadership Conference' (não editado no Brasil), uma biografia do líder negro Martin Luther King, morto em 1968. Veja também:  Obama traz um novo paradigma de raça para política dos EUA Especialista na história do líder da luta pelos direitos civis, Garrow explica que o senador Barack Obama, virtual candidato democrata à Presidência dos EUA, tem um discurso muito semelhante ao de King no que se refere à questão racial. Garrow ainda comenta a preocupação entre a comunidade negra dos EUA de que Obama sofra um atentado e diz que King, se estivesse vivo, votaria no democrata. Leia a entrevista que Garrow concedeu por telefone ao estadao.com.br. É possível identificar algo do legado de Martin Luther King na campanha do senador Barack Obama? Eu acho que a primeira relação direta está na aprovação da Lei do Direito ao Voto, em 1965, que permitiu que muitos negros espalhados pelo sul dos Estados Unidos se registrassem e votassem pela primeira vez (o dispositivo tornou ilegal requisitos de escolaridade para ter direito a voto, o que era usado para impedir que negros votassem em alguns Estados). Foi a luta pelos direitos civis do Dr. King que permitiu pudéssemos assistir a todo este processo eleitoral este ano. Só isso permitiu que um candidato negro como Barack Obama ganhasse o apoio necessário para a indicação. Mas é possível compará-los em suas trajetórias ou atitudes? Sim, é possível, principalmente pela maneira com que eles falam. King vinha de uma tradição explicitamente religiosa, enquanto Obama não fala ou soa como um ministro religioso, apesar de também se declarar cristão. Obama, no entanto, assim como King, consegue ter uma abordagem que transcende as raças. Durante os anos 1960, Martin Luther King foi chamado de "militante conservador", uma maneira de dizer que seus objetivos tantos raciais quanto econômicos não podiam ser descritos como radicais. O estilo de King, o modo como ele se aproximava das pessoas, principalmente brancos, não era ameaçador. Era como se ele perdoasse os brancos pelo racismo. Ele não fazia ataques ou denúncias. King constantemente falava, ao se referir à escravidão, que era preciso distinguir o pecado do pecador. Obama tem o mesmo tipo de apelo. Acho que ninguém nos Estados Unidos pode classificar o senador como raivoso ou denunciador. É isto que diferencia o discurso de Obama do de Jesse Jackson, por exemplo. Os Estados Unidos podem eleger um presidente negro? Eu acho que uma maioria da América branca está preparada para ter um presidente negro. Mas quando analisamos alguns resultados locais da disputa entre Obama e Hillary, principalmente em lugares como a Virgínia Ocidental, observamos que em alguns condados majoritariamente brancos, Obama teve uma votação ínfima nas primárias. Estes eleitores preferiram votar em uma feminista de Nova York do que em um negro. A conclusão é que em lugares como o interior da Virgínia Ocidental, Ohio e Pensilvânia, há milhares de eleitores brancos que não votarão em um candidato negro. Quais seriam as conseqüências de uma vitória de Obama para a comunidade negra dos EUA? Eu acho que a vitória de Obama traria um enorme aumento do senso de orgulho dentro da comunidade negra, um orgulho que provavelmente esta parte dos EUA jamais sentiu. Tanta expectativa se reflete na intensa preocupação com a segurança de Obama por parte destas pessoas. A imprensa dos EUA não fala muito sobre isso, por causa do compreensível temor de que isso pudesse estimular um eventual atentado por parte de alguém psicologicamente doente, mas os negros estão muito preocupados com a segurança do candidato. É possível que ele sofra um atentado? Nós tivemos uma tentativa de balear Reagan em 1981 e foram dois atentados contra Gerald Ford em 1975. Mas estamos há mais de 25 anos sem nenhum atentado contra um presidente ou um candidato à presidência. Então, a maioria dos analistas políticos está muito otimista. Esta preocupação está mais presente na América negra. Esta comunidade sempre se lembra de quando o general Colin Powell desistiu de concorrer à Presidência pelo partido Republicano em 1996. A desistência foi em parte motivada pela preocupação de sua mulher com a segurança de Powell. Há similaridades entre Obama e Powell? O general Powell é em muitos aspectos a figura mais similar a Obama no cenário político atual. Ele é descendente de jamaicanos, cresceu em Nova York, estudou na escola pública e teve uma carreira de sucesso no Exército. Como Obama, Powell é uma pessoa que a América branca enxerga como mais que um representante da comunidade negra. Eles não representam em escala nacional apenas os anseios do eleitorado negro. Assim como eles, há Sanford Bishop, congressista da Geórgia e Arthur Davis, do Alabama, que são políticos bem sucedidos. Como Obama, eles estão enraizados na comunidade negra mas contam com apoio branco, mesmo em áreas que há 40 anos eram segregacionistas. Obama precisa necessariamente de um vice-presidente branco para conseguir se eleger? Ele certamente escolherá um candidato a vice branco, até porque há poucos negros que possam se encaixar no cargo atualmente. Seria interessante se ele escolhesse uma mulher para ser candidata a vice, como, por exemplo Kathleen Sebelius, governadora do Kansas. Ele também pode se sentir obrigado a escolher alguém entre os apoiadores dos Clinton, como Ted Strickland, governador de Ohio. Até agora houve pouca discussão sobre quem o republicano John McCain poderia escolher como vice. Um candidato com o perfil parecido de Obama é Bobby Jindall, governador de Louisiana, que é descendente de nativo-americanos e é ainda mais jovem que Obama. Em sua opinião, se estivesse vivo, King votaria em Obama? Com certeza Dr. King estaria muito entusiasmado com a campanha de Obama e com o que o senador representa e alcançou até agora. Ele sentiria que a candidatura de Obama representa um enorme passo para a dinâmica racial na América.

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