Entenda o que estará em jogo com a independência do Kosovo

Província sérvia, alvo do pior conflito europeu no pós-guerra, deve anunciar secessão unilateral no domingo

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Por André Mascarenhas e com agências internacionais
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A província autônoma do Kosovo, na Sérvia, está sob administração da ONU desde o fim dos bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) contra tropas fiéis ao ex-presidente sérvio Slobodan Milosevic, em 1999. Segundo fontes no governo sérvio, a região deve anunciar independência no próximo domingo, 17. Mapa: a disputa dos Bálcãs  Países que reconhecem a independência  A intervenção marcou o fim de um sangrento conflito entre o governo sérvio e a população albanesa residente no Kosovo. A disputa entre as duas etnias pelo controle da região remota ao início do século 20, mas as diferenças ganharam contornos mais trágicos a partir do fim da década de 1980, quando Milosevic tornou-se presidente da extinta Iugoslávia. Embora apenas 10% da população do Kosovo seja de origem sérvia, a região é considerada o berço desta cultura. No início da década de 1980, a minoria sérvia na província passou a reclamar de perseguição pela maioria albanesa. Em 1987, ainda como número dois do Partido Comunista Sérvio, Milosevic disse, em um discurso televisionado, que "ninguém ousará atacar" os manifestantes sérvios no Kosovo de novo. Ao ser eleito, em 1989, o líder nacionalista retirou a autonomia conquistada pela província em 1974, desencadeando protestos entre a maioria albanesa. A radicalização resulta no surgimento de um movimento rebelde kosovar, o Exército de Libertação do Kosovo. Em meados dos anos 1990, os militantes realizam ataques contra alvos sérvios. Em resposta, Milosevic envia tropas e reforços policiais ao Kosovo, que são acusadas de perseguir e massacrar a população albanesa. Segundo as denúncias, a Sérvia estaria engajada em realizar uma limpeza étnica na região. A perseguição leva à intervenção da Otan, que após 11 semanas de bombardeios força uma retirada das tropas sérvias. Estima-se que cerca de 750 mil refugiados albaneses tenham retornado às suas casas com o desfecho do conflito. Por outro lado, cerca de cem mil sérvios que viviam no Kosovo deixaram a região temendo retaliações. Ainda em meio aos bombardeios, em maio de 1999, Milosevic torna-se o primeiro governante a ser indiciado ainda no poder pelo Tribunal Internacional de Crimes de Guerra de Haia. Proposta de independência Com o fim do conflito, a ONU assume a administração da província. No início de 2007, o enviado da organização Martti Ahtisaari propõe um plano para conceder independência ao Kosovo. A Sérvia, apoiada pela Rússia, diz que não aceitará um acordo nesses termos. Moscou barra uma resolução que garantiria independência gradual à província sob o argumento de que a medida daria combustível para outros movimentos separatistas. Sem a possibilidade de um acordo, o governo do Kosovo anunciou que declararia independência unilateralmente, já que contaria com o apoio das principais potências da União Européia (UE) e, principalmente, dos EUA. Temores O principal temor diante de uma eventual declaração de independência do Kosovo é de que a minoria sérvia da província reaja iniciando seu próprio movimento separatista. Além disso, embora ambas as partes tenham se comprometido a não retornar à violência dos anos 1990, as lideranças nos dois lados dizem ter controle limitado sobre eventuais ações armadas de seus cidadãos. O pior cenário seria a volta da limpeza étnica, com a população albanesa expulsando a minoria sérvia ao sul do Rio Ibar e com os sérvios avançando sobre os albaneses que vivem no norte do país. Além disso, como há grandes comunidades albanesas na Macedônia e em Montenegro, teme-se que essas populações possam a vir pegar em armas para se juntarem ao Kosovo. Ainda assim, os EUA e a maioria dos países da EU - com a exceção da Eslováquia, Espanha, Grécia, Chipre e Romênia - devem reconhecer um Kosovo independente.

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