50 anos da morte de Che Guevara: Ele queria ‘morrer como um mártir’, diz pesquisadora

Marcela Iacub traçou um perfil psicológico do personagem revolucionário e afirma que ele se tornou uma figura ‘crística’ com a foto de seu cadáver, na qual ‘parece ter se entregado a seus carrascos em um estado de satisfação’

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Por Redação
Atualização:

PARIS - Além da imagem de guerrilheiro que defende um ideal, Ernesto “Che” Guevara estava obcecado com a morte e com a ideia de martírio, diz a pesquisadora franco-argentina Marcela Iacub, que traçou um perfil psicológico do célebre revolucionário.

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Ela é diretora de pesquisa no Centro Nacional de Pesquisa Científica francês e acaba de publicar "Le Che, à mort" (“Che, até a morte”, em tradução livre).

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Os restos mortais de Che Guevara foram encontrados em 1997 em uma vala comum Foto: Lourival Sant’Anna / Estadão

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Veja abaixo os principais trechos da entrevista concedida à agência de notícias France-Presse.

Por que Che passou a ser uma lenda?

Há duas lendas que dizem respeito a Che: a lenda castrista e a lenda "crística", na qual se apoia, sobretudo, o filme hollywoodiano "Che", de Steven Soderbergh. Para muitos, ele se tornou uma figura "crística" com a foto de seu cadáver. Talvez o mito nunca tivesse existido sem essa foto tirada horas depois de sua execução por parte do Exército boliviano e para a qual seu corpo foi preparado (seu cabelo foi cortado e injetou-se formol em seu rosto). Vários fotógrafos chegaram depois ao local. Graças à luz dos flashes, os olhos de Che estavam cheios de luz. O mundo inteiro viu essa imagem perfeita, com a qual Che mostrou que era um mártir no sentido cristão do termo, porque parece ter se entregado a seus carrascos em um estado de satisfação. Em contrapartida, as fotos tiradas logo depois de sua execução foram escondidas durante 20 anos. São horríveis e nunca teriam dado lugar a um culto como esse.

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Che Guevara também é o símbolo do revolucionário defendendo um ideal?

Em sua adolescência, ele não era comunista e não estava comprometido politicamente, mas havia decidido morrer muito jovem, como um mártir. É o que se pode ler em alguns de seus poemas. Naquela época, já se condenava a morrer como um herói. Em seus "Diários de Motocicleta" (sobre seu périplo pela América Latina aos 20 anos), já imaginava seu destino. Para fazer uma análise psicológica do personagem, me baseei em seus escritos. Antes de mais nada, queria lhe dar a palavra, porque também escrevia bem. Acredito que tenha inventado seu personagem desde sua juventude, lendo romances de aventuras. Tinha um ideal muito elevado para si mesmo, provavelmente, porque sua família era aristocrática, mas havia caído na miséria. Queria salvar a humanidade, tornando-se um grande cientista quando era jovem. Estudou Medicina. Como não teve êxito por esse caminho, tentou liderar uma guerra total e definitiva contra o capitalismo. Queria que a humanidade morresse lutando, mesmo que o combate terminasse em uma derrota.

O que resta de Che na atualidade?

Somos uma sociedade mais pacifista do que nos anos 1960-1970. Não aceitamos mais a luta armada como meio para impor nossas ideias políticas, diferentemente de décadas anteriores. O que persiste é o mito do mártir, a ideia de que, se matou e se exterminou seus oponentes, foi para evitar coisas mais graves. Caso contrário, por que tantos comunistas caíram no esquecimento e ele não? Em sua relação com a morte, talvez haja algo em comum com a atitude dos jihadistas: o desejo de glória, a ideia de já se considerar morto. / AFP

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