A agonia da Venezuela

O povo passa fome e os governantes, que gastam ou desviam o dinheiro público, manobram para se manter no poder

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Por ECONOMIST
Atualização:

A Venezuela diz ter mais petróleo que a Arábia Saudita, mas seu povo passa fome. Impressionantes 93% da população informam não ter dinheiro para comprar os alimentos de que precisam. No ano passado, 75% perderam peso. Os responsáveis por essa tragédia perfeitamente evitável professam grande amor pelos pobres, mais isso não os impede de roubar bilhões dos cofres públicos, fazendo da Venezuela a nação mais corrupta da América Latina.

É um desses casos clássicos em que o valor da democracia fica evidente: em regimes democráticos, quando os governantes metem os pés pelas mãos, os cidadãos podem colocá-los para correr. 

Mercado saqueado em Caracas durante protesto contra o governo Maduro Foto: Meridith Kohut/The New York Times

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Maduro realizará hoje uma eleição fajuta para legitimar a criação de um arremedo de Assembleia Constituinte, que terá como principal missão perpetuar no poder o impopular regime socialista do presidente. Os constituintes se encarregarão de esvaziar institucionalmente o Parlamento, hoje controlado pela oposição, além de adotar medidas que corromperão a integridade da eleição presidencial marcada para 2018 – pleito que, se realizado de forma livre e imparcial, certamente resultaria na derrota de Maduro. 

A oposição diz que a Assembleia Constituinte vai instaurar na Venezuela um comunismo ao estilo cubano. Uma coisa é certa, sua criação provocará mais violência num país em cujas ruas as pessoas volta e meia sentem o cheiro de gás lacrimogêneo ou topam com munição real da polícia. Em quase quatro meses de manifestações, mais de 100 pessoas morreram e centenas foram presas por motivos políticos. 

Caudilho sem noção. De 2012 até o fim deste ano, a Venezuela terá registrado o mais devastador colapso econômico da história da América Latina. A renda per capita recuou ao patamar registrado nos anos 50. O principal motivo da catástrofe é ideológico. 

Seguindo os ensinamentos de seu mentor, Hugo Chávez, Maduro gasta dinheiro público a rodo, especialmente com aqueles que o apoiam. Com os preços do petróleo em baixa e uma gestão econômica inepta, o governo não consegue pagar suas contas. Assim, emite dinheiro e culpa os especuladores pela inflação, que deve ultrapassar os 1000% este ano. No mercado paralelo, o dólar tem cotação 900 vezes superior ao câmbio oficial. Os controles de preços e a estatização de empresas privadas provocaram escassez de alimentos e remédios. Com os hospitais em condições precárias, a taxa de mortalidade materna teve alta de 66% no ano passado.

Alguns líderes de esquerda, como o britânico, Jeremy Corbyn, veem na “revolução bolivariana” da Venezuela uma promissora experiência em justiça social. As dezenas de milhares de venezuelanos que fugiram para nações vizinhas que o digam. Com o agravamento da crise, esse contingente aumentará de tamanho. Isso torna o governo venezuelano uma ameaça para a região e para o próprio povo.

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A melhor solução seria negociar uma transição. Maduro concluiria seu mandato, mas respeitaria a Constituição e o Parlamento, libertaria os presos políticos e garantiria a realização livre e imparcial das eleições estaduais – que deveriam ter ocorrido em dezembro de 2016 – e do pleito presidencial do ano que vem. 

A oposição – uma aliança heterogênea, rica em ambições pessoais e pobre em unidade – ainda tem muito a fazer para se tornar uma verdadeira alternativa de governo. Alguns opositores acreditam que basta intensificar as manifestações para que o regime entre em colapso. Estão se iludindo. Maduro ainda tem o Exército a seu lado. O presidente venezuelano controla os recursos disponíveis, por restritos que sejam, e conserva o apoio de 25% dos venezuelanos. E conta ainda com a assessoria das autoridades de segurança de Cuba, especialistas em repressão seletiva.

A América Latina finalmente acordou para o problema. Depois de ter sido suspensa pelo Mercosul, a Venezuela ficou mais isolada. Mas, no mês passado, graças ao apoio de seus aliados ideológicos e de algumas ilhas do Caribe aliciadas com petróleo barato, o país conseguiu evitar punição semelhante na Organização dos Estados Americanos (OEA). 

Donald Trump agora cogita adotar sanções abrangentes, como a suspensão das importações de petróleo venezuelano ou a proibição de que empresas americanas atuem no setor petrolífero do país. Isso seria um equívoco: Maduro encontraria novos compradores para seu petróleo em meses. Nesse meio tempo, os venezuelanos comuns sofreriam mais do que os apaniguados do regime.

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Em decisão mais prudente, Trump anunciou a adoção de sanções individuais contra 13 autoridades venezuelanas que se envolveram na convocação da Assembleia Constituinte ou são suspeitas de corrupção ou de abusos de direitos humanos. Os indivíduos tiveram seus vistos cancelados, e as empresas e os bancos americanos estão proibidos de fazer negócios com eles.

Esse tipo de medida poderia ter seu impacto amplificado se as instituições financeiras fossem pressionadas a divulgar informações constrangedoras sobre autoridades venezuelanas que tenham fortunas no exterior. 

Isso não basta para obrigar o regime chavista a mudar de comportamento. À pressão das sanções seria fundamental somar iniciativas diplomáticas para convencer Maduro a se sentar à mesa de negociações. É provável que um acordo acabe envolvendo a concessão de imunidade legal para as principais autoridades do governo venezuelano. Talvez seja a única maneira de garantir um retorno pacífico à democracia.

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Já há sinais de anarquia, com radicais de ambos os lados agindo à revelia de seus líderes. Mais que uma segunda Cuba ou uma China tropical, a Venezuela chavista, com sua corrupção, suas quadrilhas criminosas e sua incompetência administrativa, corre o risco de se tornar coisa muito pior. / TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER © 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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