A campanha mais tediosa

O debate é o mesmo há quase uma geração, não há inovação intelectual e faltam propostas políticas sérias, entre outras coisas

PUBLICIDADE

Por David Brooks
Atualização:

WASHINGTON - Semanas atrás, Peggy Noonan escreveu numa coluna no Wall Street Journal que compreende perfeitamente minha atitude em relação à campanha presidencial: ela é incrivelmente consequente e, ao mesmo tempo, incrivelmente maçante. Desde então, apresentei várias razões pelas quais ela é tão tediosa. Em primeiro lugar, a estagnação intelectual. Essa campanha é a mais recente repetição do debate que os EUA ouvem desde 1964. Mitt Romney define o presidente Barack Obama como um liberal do governo que tudo domina e cujo objetivo é acabar com o setor privado. Obama define Romney como um instrumento das grandes corporações que quer acabar com a assistência médica da vovó. A política americana passou por enormes mudanças entre 1900 e 1936 e depois entre 1940 e 1976. Mas o debate sobre um governo mais ou menos dominante volta ao ponto em que estava há uma geração. Os candidatos nem precisam mais ensaiar os argumentos; eles apenas procuram as gafes que lhes permitirão qualificar seu adversário com o clichê tradicional do espantalho. Em segundo lugar, a falta de qualquer indício de inovação intelectual. Os candidatos costumavam começar suas campanhas pronunciando graves discursos sobre sua política nas universidades e para grupos de especialistas a fim de expor suas respectivas filosofias. Bill Clinton foi um novo democrata. George W. Bush definiu-se como um conservador compassivo. Mas o clima ideológico se fossilizou. Os candidatos sabem que serão punidos se falarem algo inesperado - pelos doadores ricos mais velhos e pelos âncoras superortodoxos das entrevistas na TV. Em vez de dizerem algo novo, agora apenas procuram incentivar o comparecimento às urnas em seus redutos e reduzir ao máximo o comparecimento nos redutos do adversário. Em terceiro lugar, uma atenção muito maior aos desinformados. Há quatro anos, Obama pronunciou um sofisticado discurso sobre raça. Romney fez outro sobre religião. Este ano, os candidatos não se sentiram impelidos a fazer grandes discursos. A ideia predominante é que uma pessoa que preste atenção a um discurso do tipo já teria seu candidato definido. É mais eficiente concentrar-se nos eleitores indecisos, que na realidade não acompanham a política ou o noticiário. Em quarto lugar, a falta de propostas de políticas sérias. Será que já tivemos uma campanha eleitoral com tão poucos projetos importantes sobre a mesa? As propostas de Obama são propostas medianas, limitadas e recicladas, enquanto Romney realiza uma campanha com base o mais próximo possível a uma plataforma isenta de conteúdo político, como qualquer outro candidato de que eu lembre. Os republicanos dedicam-se a dar consistência a propostas que Romney decide não apoiar. Quinto, a paixão negativa. Ambos os partidos deixam-se levar mais pelo ódio do que pelo amor. Ambas as partes julgam que será um desastre para o país se o outro lado ficar com o poder nos quatro anos seguintes. Nenhum dos dois é movido por um grande entusiasmo positivo por seus seguidores. Muitos políticos democratas acham que Obama os menospreza como um bando de politiqueiros desprezíveis. Como Noonan escreveu na coluna, às vezes, o presidente parece considerar a política como um dever desgastante no seu caminho rumo à grandeza. A frieza dos republicanos em relação a Romney é tal que ele está tendo dificuldade em recrutar pessoas para trabalhar na campanha. Sexto, a ausência total de uma estratégia de ação. Para evitar a catástrofe, o próximo presidente terá de reunir as maiorias bipartidárias para chegar a um acordo sobre o orçamento e muitas outras coisas. Isso exigirá uma particular capacidade pessoal e de relacionamento que nenhum dos dois demonstrou. A tática negativa da polarização que os candidatos usam para se eleger fará com que isso se torne impossível depois que um dos dois vencer. Gastos. Sétimo, a miopia dos anúncios sobre gastos. Ambas as campanhas acreditam piamente que um aumento dos gastos significa um aumento dos votos. Também acreditam que, se bombardearem os eleitores indecisos com anúncios negativos, o simples peso dos golpes fará com que mudem na sua direção. Não são muitas as evidências de que tais preconceitos contenham alguma verdade. Mas as campanhas são como os generais da 1.ª Guerra. Se algo não funciona, a resposta é dobrar a dose. Oitavo, a tecnologia está tornando as campanhas mais obtusas. O BlackBerry e os iPhones significam que os assessores das campanhas podem responder a seus adversários minuto a minuto, hora após hora. Eles se perdem em minúcias recíprocas com as quais ninguém que esteja de fora se importa. Ao mesmo tempo, o uso da internet significa que os vídeos exibidos na rede eclipsam os discursos e as aparições dos candidatos. A imagem substitui o verbal. A tática eclipsa a visão. Finalmente, a desonestidade torna as pessoas insensíveis. Alguns anos atrás, os jornais e as organizações sem fins lucrativos criaram brigadas cuja função era verificar fatos, classificar declarações de campanha segundo uma escala de Pinóquios e assim por diante. A expectativa era que, se as organizações não partidárias revelassem os imbróglios das campanhas, estas ficariam envergonhadas demais por mentir tanto. Ledo engano. Como diz John Diclersson da Slate, as campanhas querem os Pinóquios. Elas querem mostrar como são rigorosas. Mas o resultado é um vazio de credibilidade. É impossível levar os anúncios a sério. São como o ruído da britadeira no fundo da nossa existência. O paradoxo é esse. À medida que as campanhas se tornam mais sofisticadas, tudo começa a parecer mais homogeneizado, menos eficaz e indescritivelmente soporífero. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA * É COLUNISTA

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.