A cidade dos EUA que acabou com a polícia

Especialistas questionam se modelo de Camden, em New Jersey, pode ser usado em Minneapolis

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Por Redação
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Além de justiça para George Floyd, negro assassinado por um policial branco em Minneapolis, em maio, muitos manifestantes foram às ruas de várias cidades americanas pedir o corte de financiamento dos departamentos de polícia. Outros, mais radicais, exigem o desmantelamento total das corporações, cada vez mais identificadas como trincheiras do racismo nos EUA. 

Manifestante pede o fim do financiamento da polícia durante protesto antirracismo em Nova York Foto: Scott Heins/AFP

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Há quem diga que é uma ideia utópica. “Eu não apoio a abolição total da polícia”, afirmou Jacob Frey, prefeito democrata de Minneapolis, antes de ser expulso de uma passeata que defendia o fim da corporação, na semana passada. Outros respondem que o objetivo é apenas desviar recursos da polícia para programas sociais, mudar a mentalidade repressiva e focar na prevenção.

Enquanto as definições sobre o papel da polícia se perdem no calor dos protestos, poucos se lembram do exemplo de Camden, cidade de 75 mil habitantes no Estado de New Jersey, separada da Filadélfia pelo Rio Delaware. Em 2012, ela tinha mais de 170 pontos abertos de venda de drogas e era considerada uma das mais miseráveis e violentas dos EUA, com 1 homicídio para cada 1.350 habitantes – uma taxa do nível de Caracas, na Venezuela.

O maior problema de Camden era o grau de degeneração do departamento de polícia. Documentos revelaram que plantar provas, inventar relatórios e mentir nos tribunais era rotina dos policiais – o escândalo obrigou a Justiça a libertar 88 detentos que haviam sido condenados por investigadores da cidade. A conclusão foi que era tanta corrupção que não havia como reformar a corporação. 

Em 2013, mais de 250 policiais foram demitidos e um novo departamento foi criado. O treinamento dos novos agentes inclui restrições ao uso de armas de fogo e obrigatoriedade de levar um ferido para os hospitais – antes, eles tinham de chamar uma ambulância. 

Scott Thomson, que chefiou o departamento de 2013 a 2019, explicou ao New York Times que uma das novidades foi o respeito pelo cidadão. Um exemplo, segundo ele, era a reunião periódica que tinha com os policiais para saber quem emitiu mais multas. Se houvesse muitas, era sinal de que o espírito da mudança não havia sido entendido. “Passar uma multa de US$ 250 para quem ganha US$ 1 mil por mês pode ter um impacto grande na vida da pessoa. Multar uma comunidade pobre não torna ela mais forte”, disse Thomson, que passou a recomendar que os policiais dessem advertências.

A nova abordagem deu resultados. Nos últimos sete anos, os crimes violentos caíram 42% e a violência em geral foi reduzida pela metade. Hoje, o novo departamento de polícia emprega 400 agentes, muitos dos quais organizam churrascos comunitários, em uma tentativa de construir laços com a população.

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Nos EUA, há mais exemplos de cidades que desmantelaram a polícia, mas por outros motivos. Em 2018, Garden City, no Missouri, demitiu todos os policiais porque a prefeitura estava quebrada. O mesmo aconteceu em janeiro, na cidade de Deposit, Estado de Nova York. Em Rio Vista, na Califórnia, os policiais arrumaram empregos melhores e o departamento foi dissolvido no início do ano – nos três casos, a segurança ficou a cargo dos respectivos condados. 

Na semana passada, Minneapolis deu o primeiro passo para servir de modelo. Lisa Bender, presidente do Conselho Municipal da cidade – que atua na Câmara de Vereadores –, afirmou que o órgão havia “encerrado” sua relação com o departamento de polícia. “O esforço para adotar reformas fracassou”, disse Bender. Com 9 votos de um total de 13 – o que impede o veto do prefeito –, os conselheiros aprovaram o fim da corporação e prometeram criar um novo sistema de segurança pública. 

“Estamos mais seguros sem as patrulhas armadas do Estado caçando negros na rua”, disse Kandace Montgomery, diretora do Black Visions Collective, ONG que defende a igualdade racial. O desafio, no entanto, é replicar o modelo de Camden em uma cidade de meio milhão de habitantes. / AFP, NYT e THE W. POST

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