A Colômbia sob os holofotes

Ânimo sobre possível acordo de paz contrasta com crescente insatisfação interna

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Por Jim Wyss e Miami Herald
Atualização:

Sob qualquer ângulo, o ano promete ser estrelado para a Colômbia. O país deve testemunhar um acordo de paz que porá fim ao mais antigo conflito civil do hemisfério; sua economia é a mais vigorosa da região; deve receber visitas de personalidades como o papa Francisco e o presidente americano Barack Obama; para coroar, está na disputa do Oscar.

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Nas ruas, porém, o otimismo passa longe. Os bolsos foram espremidos simultaneamente pela desvalorização da moeda e por uma inflação inquietante. A seca provocada pelo El Niño ameaça provocar escassez de água e energia.

Nesse sentido, a Colômbia pode ter um ano ao mesmo tempo glorioso e frustrante. Seja qual for a sensação que mais pese na balança, as repercussões para o presidente Juan Manuel Santos deverão ser profundas.

Excluindo-se possíveis complicações de última hora, este será o ano em que o governo assinará um acordo de paz com o maior grupo guerrilheiro do país, encerrando um conflito de meio século que já custou 200 mil vidas.

Hoje, Santos deve mandar sua equipe de negociadores de volta a Havana – onde as negociações ocorrem desde 2012 – com ordens para não voltarem enquanto os últimos detalhes não estiverem acertados. O governo estabeleceu o prazo de 23 de março para um pacto, embora as Forças Revolucionárias da Colômbia (Farc) digam que será necessário mais tempo.

Prazos à parte, um acordo de paz encerrará o mais longo e sangrento confronto do hemisfério. “Se conseguirmos, será o ano mais espetacular da história do país”, disse Santos ao jornal El Tiempo. A virada de página da Colômbia, país que há muito é sinônimo de drogas e massacres, tornou-se assunto acompanhado por um planeta faminto de boas notícias.

“Vivemos num mundo de muitos conflitos, mas o processo de paz aqui ganha importância porque pode servir de modelo”, avaliou o presidente do Banco Mundial, Jim Yong-kim, durante visita oficial à Colômbia na semana passada.

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O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, considerou a paz na Colômbia uma prioridade para 2016. As negociações foram destacadas por Obama no discurso sobre o Estado da União. O papa fala sempre do processo em suas mensagens. Obama e o papa disseram que visitarão o país andino nos próximos meses, embora não tenham marcado data.

O governo colombiano, no entanto, não recebe tanto amor das ruas.

Marta Chacon, dona de uma floricultura em Bogotá, enquanto tira espinhos das rosas, diz que 2016 será “um desastre”. “Os preços estão subindo e o governo aumenta nossos impostos para quê? Para dar subsídios à guerrilha nas negociações de Havana.”

Marta acha que a paz vai sair cara, com o governo ajudando 7 mil ex-combatentes a se estabelecer na sociedade e indenizando vítimas do conflito.

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Segundo pesquisa do Ipsos-Napoleón Franco divulgada em dezembro, apenas 38% dos colombianos estão otimistas com o processo de paz e só 37% aprovam a forma como as negociações vêm sendo conduzidas. “Todos são a favor da paz”, diz Javier Restrepo, diretor de opinião pública da Ipsos, “mas nem todos concordam com uma solução negociada.”

Críticas. Como nas queixas de Marta Chacon, há descontentamento quanto às concessões que o governo fará para consolidar um acordo, particularmente quando a região sofre com a queda nos preços do petróleo e outras commodities. Entre as concessões, estão a promessa de não prender guerrilheiros que cooperarem e disserem a verdade, e portas abertas às Farc para participar da política. Segundo o Ipsos, 91% acham que membros das Farc devem enfrentar a prisão e 78% não querem a guerrilha ocupando cargos públicos.

Parte do problema pode estar no sucesso, até agora, das negociações, diz Sandra Borda, professora de Ciência Política na Universidade Jorge Tadeo Lozano, de Bogotá.

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Cresce no país a sensação de que a paz, antes tida como inatingível, agora parece inevitável. Assim, enquanto a comunidade internacional se entusiasma com o processo, muitos colombianos se preocupam com problemas que afetam seu dia a dia, como a perda de poder aquisitivo e o crime nas ruas. “O governo saiu-se muito bem na estratégia internacional, mas não conseguiu amarrar isso com a realidade interna”, diz Sandra. “As pessoas começam a sentir que um país pacificado continua tendo problemas.”

O desânimo nacional pode afetar o próprio processo de paz. Segundo o governo, quando o acordo for alcançado, será submetido a referendo. Isso poderia ser um risco para um presidente que vê sua aprovação despencar. Quando Santos assumiu, em 2010, a confiança no governo estava em 55%. Em 2015, caiu para 27%, de acordo com pesquisa Gallup. Segundo o Ipsos, o índice de aprovação é de 34%.

“Não sei se há muitos países em que um governo impopular consiga ter suas propostas aprovadas num referendo”, diz Javier Restrepo. “Existe o grande risco de que o referendo sobre o processo de paz acabe virando julgamento do desempenho da administração.” / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

JIM WYSS É JORNALISTA DO MIAMI HERALD